Cem anos de Alexandre
Kafka
Alex para os amigos, Professor Kafka para a maioria, Mr.
Kafka para o corpo técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI). Alexandre
Kafka nasceu em Praga no dia 25 de janeiro de 1917 e segundo ele mesmo dizia,
ainda durante a era do império austro-húngaro. Faria, portanto, cem anos nessa
semana. Formado em Direito em Praga e em economia em Oxford teve grande
importância na consolidação da formação dos economistas no Brasil, pais que
escolheu para sua cidadania. Informações detalhadas constam do Depoimento concedido
à Fundação Getúlio Vargas e publicado como parte da coleção Memoria do Banco
Central.
Chegou ao Brasil em 1940 e foi convidado para dar aulas de
economia na faculdade de Sociologia da USP. Com poucos economistas formados no
Brasil, a Politécnica foi mais importante na introdução de uma economia
“moderna”. Até então o estudo da economia era mais dedicado a história sem um
pensamento econômico muito preciso. Em São Paulo ainda atuou como consultor
econômico da FIESP e participou da criação do seu departamento de Economia.
Participou de diversas missões de discussão sobre a Organização Internacional
do Comércio.
Veio para o Rio de Janeiro, após diversos períodos nos
Estados Unidos, inclusive em universidades, após receber um convite de Eugenio
Gudin para organizar o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), na Fundação
Getúlio Vargas (FGV). Paralelamente, no papel de Conselheiro econômico da
Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e no Ministério da Fazenda participou
do debate econômico dos anos cinquenta e sessenta inclusive para criação do
Banco Central do Brasil. É dessa época a
formulação juntamente com seu amigo e colega de profissão Roberto Campos das
“leis de Kafka” que introduziram a hipótese segundo a qual a economia
brasileira não obedecia a nenhuma das leis econômicas conhecidas. Em 2012,
Gustavo Franco retomou o tema em seu livro As Leis Secretas da Economia e
lançou as leis reformuladas e atualizadas, mas mantendo o espírito original.
Segundo consta da tradição oral dos economistas mais antigos, uma dessas leis
seria que toda tentativa de contração monetária é contrabalançada pela expansão
de crédito de banco público.
Seu período como Diretor Executivo pelo Brasil, e de um
grupo de países da América Latina e Caribe, foi bem intenso e começou em 1966.
Com sua habilidade diplomática e capacidade técnica, sobreviveu a diferentes
regimes políticos e orientações econômicas, sempre defendendo os interesses do
País e não de governos. Gozava do respeito dos técnicos do FMI, o que foi
fundamental nas épocas de difícil relacionamento do Brasil com o Organismo, por
exemplo naquele período de inúmeras cartas de intenções, sempre descumpridas, e
depois da moratória de pagamento e dificuldades com a dívida externa. Emprestava
seu prestígio pessoal na defesa do país que adotou como pátria.
Teve também importante papel na institucionalização do FMI.
Foi um dos quatro vice-presidentes do Grupo dos Vinte (deputies) para reforma
do sistema monetário internacional, criado para adaptar os estatutos do Fundo ao
fim da conversibilidade do dólar. Os quatro vices e o Presidente do Grupo, Sir
Jeremy Morse, foram responsáveis pela redação discutida como os Ministros. Participou
das discussões da implementação dos Direitos Especiais de Saque (DES) e da
criação da Facilidade Compensatória (Compensatory Financing Facility), que
servia para suavizar as flutuações dos preços das commodities. Defendia a criação de um escritório de
avaliação no FMI, ao molde do já existente no Banco Mundial, o que somente
ocorreu muitos anos depois. Como decano sempre era responsável pelos
procedimentos de eleição do Diretor Geral dom FMI e chamado para ajudar a
resolver e negociar problemas difíceis. Depois de sua aposentadoria o Fundo manteve
durante um bom tempo um escritório para seu uso.
Na época mais recente, com o impeachment do Presidente
Collor, inúmeros Ministros passaram pelo Ministério da Fazenda. Cada um que
entrava fazia uma missão ao FMI, resultando, portanto, num período muito trabalhoso
para o escritório do Brasil. Até que a situação se estabilizou um tempo com
Fernando Henrique Cardoso. No livro Depoimento o professor Kafka conta que, apesar
de o FMI considerar uma boa ideia a implementação do Plano Real em estágios –
eliminação do déficit, eliminação da indexação e nova moeda – somente apoiaria
o Brasil após sucesso do plano de estabilização. O governo americano alegou que sem acordo com
o FMI não poderia vender os bônus de cupom zero que faziam parte das garantias
da renegociação da dívida externa. Como se sabe, o Brasil comprou os títulos no
mercado e pode assim pavimentar o caminho para o sucesso do Plano Real. Já na
crise de 1998 o apoio do FMI foi instrumental e total.
Morreu em novembro de 2007, aos 90 anos, depois da morte de
sua esposa Dona Rita, que o deixou muito abalado.
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