sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Cem anos de Alexandre Kafka


Alex para os amigos, Professor Kafka para a maioria, Mr. Kafka para o corpo técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI). Alexandre Kafka nasceu em Praga no dia 25 de janeiro de 1917 e segundo ele mesmo dizia, ainda durante a era do império austro-húngaro. Faria, portanto, cem anos nessa semana. Formado em Direito em Praga e em economia em Oxford teve grande importância na consolidação da formação dos economistas no Brasil, pais que escolheu para sua cidadania. Informações detalhadas constam do Depoimento concedido à Fundação Getúlio Vargas e publicado como parte da coleção Memoria do Banco Central.

Chegou ao Brasil em 1940 e foi convidado para dar aulas de economia na faculdade de Sociologia da USP. Com poucos economistas formados no Brasil, a Politécnica foi mais importante na introdução de uma economia “moderna”. Até então o estudo da economia era mais dedicado a história sem um pensamento econômico muito preciso. Em São Paulo ainda atuou como consultor econômico da FIESP e participou da criação do seu departamento de Economia. Participou de diversas missões de discussão sobre a Organização Internacional do Comércio.

Veio para o Rio de Janeiro, após diversos períodos nos Estados Unidos, inclusive em universidades, após receber um convite de Eugenio Gudin para organizar o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Paralelamente, no papel de Conselheiro econômico da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e no Ministério da Fazenda participou do debate econômico dos anos cinquenta e sessenta inclusive para criação do Banco Central do Brasil.  É dessa época a formulação juntamente com seu amigo e colega de profissão Roberto Campos das “leis de Kafka” que introduziram a hipótese segundo a qual a economia brasileira não obedecia a nenhuma das leis econômicas conhecidas. Em 2012, Gustavo Franco retomou o tema em seu livro As Leis Secretas da Economia e lançou as leis reformuladas e atualizadas, mas mantendo o espírito original. Segundo consta da tradição oral dos economistas mais antigos, uma dessas leis seria que toda tentativa de contração monetária é contrabalançada pela expansão de crédito de banco público.

Seu período como Diretor Executivo pelo Brasil, e de um grupo de países da América Latina e Caribe, foi bem intenso e começou em 1966. Com sua habilidade diplomática e capacidade técnica, sobreviveu a diferentes regimes políticos e orientações econômicas, sempre defendendo os interesses do País e não de governos. Gozava do respeito dos técnicos do FMI, o que foi fundamental nas épocas de difícil relacionamento do Brasil com o Organismo, por exemplo naquele período de inúmeras cartas de intenções, sempre descumpridas, e depois da moratória de pagamento e dificuldades com a dívida externa. Emprestava seu prestígio pessoal na defesa do país que adotou como pátria.

Teve também importante papel na institucionalização do FMI. Foi um dos quatro vice-presidentes do Grupo dos Vinte (deputies) para reforma do sistema monetário internacional, criado para adaptar os estatutos do Fundo ao fim da conversibilidade do dólar. Os quatro vices e o Presidente do Grupo, Sir Jeremy Morse, foram responsáveis pela redação discutida como os Ministros. Participou das discussões da implementação dos Direitos Especiais de Saque (DES) e da criação da Facilidade Compensatória (Compensatory Financing Facility), que servia para suavizar as flutuações dos preços das commodities.   Defendia a criação de um escritório de avaliação no FMI, ao molde do já existente no Banco Mundial, o que somente ocorreu muitos anos depois. Como decano sempre era responsável pelos procedimentos de eleição do Diretor Geral dom FMI e chamado para ajudar a resolver e negociar problemas difíceis.  Depois de sua aposentadoria o Fundo manteve durante um bom tempo um escritório para seu uso.

Na época mais recente, com o impeachment do Presidente Collor, inúmeros Ministros passaram pelo Ministério da Fazenda. Cada um que entrava fazia uma missão ao FMI, resultando, portanto, num período muito trabalhoso para o escritório do Brasil. Até que a situação se estabilizou um tempo com Fernando Henrique Cardoso. No livro Depoimento o professor Kafka conta que, apesar de o FMI considerar uma boa ideia a implementação do Plano Real em estágios – eliminação do déficit, eliminação da indexação e nova moeda – somente apoiaria o Brasil após sucesso do plano de estabilização.  O governo americano alegou que sem acordo com o FMI não poderia vender os bônus de cupom zero que faziam parte das garantias da renegociação da dívida externa. Como se sabe, o Brasil comprou os títulos no mercado e pode assim pavimentar o caminho para o sucesso do Plano Real. Já na crise de 1998 o apoio do FMI foi instrumental e total.


Morreu em novembro de 2007, aos 90 anos, depois da morte de sua esposa Dona Rita, que o deixou muito abalado.

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