EM COMEMORAÇÃO AOS 10 ANOS DO SISTEMA DE PAGAMENTOS EM MOEDA LOCAL BRASIL ARGENTINA. 2008-2018
Seção introdutória de nota preparada pela equipe do Departamento de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil sob orientação de Maria Celina Arraes, Diretora de Assuntos internacionais 2008-2009.
Em 3 de
outubro de 2008, o Banco Central do Brasil iniciou, conjuntamente com o Banco
Central da República Argentina,as operações do Sistema de Pagamentos em Moeda
Local (SML), passando a oferecer mais uma opção para pagamentos do comércio
exterior realizado entre os dois países. O SML tem como objetivo principal
reforçar o processo de integração regional, através de vários fatores, como a
possível redução dos custos de transação, o fortalecimento do mercado de câmbio
bilateral e a incorporação de novos agentes, nos dois países, às atividades de
comércio externo.
A nova
possibilidade de utilização de moedas locais para o pagamento das transações
comerciais entre Brasil e Argentina resulta de iniciativa tomada pelos bancos
centrais envolvidos, uma vez que tal utilização não seria certamente viável,
hoje, a partir da evolução das condições determinadas estritamente pelos
mercados internacionais de câmbio e de pagamentos, consideradas a atual posição
internacional das duas economias e de suas respectivas moedas. É reconhecida a
existência de ampla discussão na literatura econômica recente sobre os fatores
que afetam a escolha da moeda de denominação no comércio internacional, bem
como os possíveis efeitos decorrentes dessa utilização. A rápida menção feita
sobre esse aspecto procura apenas comparar situações decorrentes de evoluções
de mercado, onde mudanças, de caráter permanente, ocorrem de forma
necessariamente gradual, com o mecanismo institucional, mais limitado, mas
tendo a sua relevância e eficiência, proposto por iniciativas de bancos
centrais, como é o caso do SML.
1.
Utilização da moeda
nacional nas transações de comércio exterior
As
possibilidades de uso da moeda de denominação no comércio internacional são:
moeda do exportador, moeda do importador e a denominada moeda veículo, que é
emitida por terceiro país, não envolvido na transação bilateral. A experiência
histórica mostra que uma série de fatores explica a utilização de moedas
específicas de denominação no comércio internacional, por parte de vários
países. E revela também que mudanças nessa utilização ocorrem de forma gradual,
como pode ser exemplificado no caso da libra esterlina que, apesar do declínio
da importância econômica do Reino Unido a partir da 1ª Guerra Mundial
manteve-se, até a 2ª Guerra, como moeda internacional, papel exercido à época
juntamente com o dólar norte americano. A moeda norte americana permanece desde
então como principal moeda, sendo utilizada por vários países em seu comércio
internacional e sendo secundada pelo euro, desde a sua criação, dez anos atrás.
Os países tendem a manter em suas reservas internacionais maiores parcelas nas
moedas nas quais realizam suas transações comerciais e financeiras externas.
A escolha da
moeda de denominação das transações de comércio internacional tem implicações
macro e microeconômicas. Para as empresas, a escolha afeta a sua maximização
esperada de lucros. Neste sentido, a utilização de uma moeda no comércio internacional
está associada:
(i)
ao tamanho do
país cuja moeda é utilizada, bem como à profundidade e importância de suas
relações de comércio com outros países;
(ii)
aos custos de
transação, inclusive custos de compra e venda das moedas. As moedas mais
transacionadas tendem a ter menores custos e, por inércia, também tendem a
manter essa posição;
(iii)
às moedas
utilizadas nas transações por outros produtores, dado que empresas não querem
se distanciar das estratégias adotadas por seus concorrentes, principalmente em
indústrias cujos produtos são substitutos próximos;
(iv)
à composição dos
bens importados e exportados – quanto mais diferenciados forem os bens, por
exemplo, maior a possibilidade de uso da moeda do exportador como denominação;
(v)
aos aspectos
específicos da volatilidade macroeconômica do país. A existência de mercado
financeiro doméstico desenvolvido também contribui favoravelmente para o uso da
moeda no comércio internacional;
(vi)
a mecanismos de hedge contra flutuações cambiais que
possam afetar sua receita.
Adicionalmente,
aspectos como a presença de mercados bem organizados e poder de barganha das
empresas podem afetar a moeda de denominação da transação. Nas vendas de
grandes volumes, o exportador tem maior capacidade para denominar a transação
na moeda de sua preferência. Segundo Goldberg e Tille, (2009), o dólar é a
principal moeda de denominação nas transações de bens negociados nos mercados
mais formais ou onde ela predomina com preço de referência.
No plano
macroeconômico, teoricamente, a denominação do comércio internacional afeta os
mecanismos de transmissão de política econômica e os ciclos de negócios, como
apresentado nos trabalhos de Bachetta (2005) e Oi (2004). A literatura recente
sobre as implicações da moeda de denominação e das decisões de preços sobre a
política monetária aponta que, nos países cujas moedas são utilizadas na
denominação das transações, os preços são relativamente estáveis. Em países
cujas moedas não são utilizadas, os preços dos tradables se movem (em moeda local) com as oscilações da taxa de
câmbio e, como resultado, o consumo responde a mudanças nos preços relativos
induzidas pela variação cambial.
Anteriormente,
no Brasil, a própria legislação impunha obstáculos à maior utilização da moeda
nacional nas transações de comércio exterior. Originadas em um período de
necessidade de obtenção de divisas para fazer frente a problemas de balanço de
pagamentos, as normas então vigentes buscavam incentivar a entrada de moeda
conversível através de rigorosos controles sobre as operações cambiais.
Adicionalmente, o cenário de elevadas taxas de inflação resultaram na perda das
funções de medida e de reserva de valor, inviabilizando sua utilização para os
pagamentos de operações maior prazo, características do comércio internacional.
Com a melhora dos fundamentos da economia e a redução da vulnerabilidade
externa, a moeda nacional passou a cumprir com as funções clássicas da moeda.
Isto permitiu o início de um processo de modificação na sua legislação e
regulamentação cambiais e de comércio exterior visando desburocratizar os
procedimentos e reduzir os custos de transação.
O
recebimento em reais das exportações brasileiras de bens e de serviços foi
autorizado em 2007,
permitindo às empresas brasileiras faturar suas vendas em moeda local. Neste mesmo
ano, a emissão de registros de exportação para recebimento em moeda nacional
passou a ser admitida independentemente do destino ou do produto. Até
então, o recebimento de exportações em reais somente era possível para o
comércio fronteiriço de produtos específicos, em municípios limítrofes
determinados, e para a venda de bens ou serviços para mutuários de projetos
financiados por organismos sub-regionais de desenvolvimento, mediante o uso de
recursos originariamente aportados pelo Brasil, em moeda nacional.
Por sua vez,
a Lei n° 11.803/2008 permitiu aos bancos autorizados a operar no mercado de
câmbio dar cumprimento a ordens de pagamento em reais recebidas do exterior,
mediante a utilização de recursos em moeda nacional mantidos em contas de
depósito de titularidade de instituições bancárias domiciliadas ou com sede no
exterior. A Resolução CMN n° 3.657/ 2008 eliminou, por sua vez, a restrição de
recebimento em reais de receita de exportação registrada em moeda estrangeira.
Estas medidas marcam o início de um processo internacionalização do real.
Neste
sentido, as discussões acerca do desenvolvimento de um canal de fácil
liquidação das transações comerciais em moeda local entre Brasil e Argentina
tiveram origem, em 2005, no reconhecimento da relevância do fluxo de comércio
bilateral. Segundo dados do MDIC, em 2007 e 2008, a Argentina foi o segundo
maior destino de exportações brasileiras, sendo a quase totalidade das
operações liquidadas em dólares americanos. Na oportunidade, verificou-se
também a indisponibilidade de instrumentos financeiros de baixo custo para
transações peso/real e as dificuldades e custos associados à liquidação de
transações em moeda local.
A proposta
de desenvolvimento de um mecanismo de liquidação utilizando as moedas nacionais
teve como principal objetivo, avançar no processo de integração regional. O
estabelecimento de uma cotação entre as moedas regionais, uma das bases do
funcionamento do SML, foi um dos primeiros passos no processo de integração
europeu. Adicionalmente, os agentes econômicos só podem se beneficiar
plenamente da maior integração entre os países e do movimento livre de bens e
serviços se houver uma estrutura eficiente de liquidação das transações. Nos
processos de integração regional, a disponibilidade de uma infraestrutura que
permita a ocorrência de transações comerciais a custos mínimos é fator
primordial para o seu sucesso. Diante de sua importância, ganham destaque
iniciativas desenvolvidas em todo o mundo visando à modernização dos canais de
liquidação entre países.
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