segunda-feira, 10 de setembro de 2018


EM COMEMORAÇÃO AOS 10 ANOS DO SISTEMA DE PAGAMENTOS EM MOEDA LOCAL BRASIL ARGENTINA. 2008-2018

Seção introdutória de nota preparada pela equipe do Departamento de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil sob orientação de Maria Celina Arraes, Diretora de Assuntos internacionais 2008-2009.

Em 3 de outubro de 2008, o Banco Central do Brasil iniciou, conjuntamente com o Banco Central da República Argentina,as operações do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML), passando a oferecer mais uma opção para pagamentos do comércio exterior realizado entre os dois países. O SML tem como objetivo principal reforçar o processo de integração regional, através de vários fatores, como a possível redução dos custos de transação, o fortalecimento do mercado de câmbio bilateral e a incorporação de novos agentes, nos dois países, às atividades de comércio externo.
A nova possibilidade de utilização de moedas locais para o pagamento das transações comerciais entre Brasil e Argentina resulta de iniciativa tomada pelos bancos centrais envolvidos, uma vez que tal utilização não seria certamente viável, hoje, a partir da evolução das condições determinadas estritamente pelos mercados internacionais de câmbio e de pagamentos, consideradas a atual posição internacional das duas economias e de suas respectivas moedas. É reconhecida a existência de ampla discussão na literatura econômica recente sobre os fatores que afetam a escolha da moeda de denominação no comércio internacional, bem como os possíveis efeitos decorrentes dessa utilização. A rápida menção feita sobre esse aspecto procura apenas comparar situações decorrentes de evoluções de mercado, onde mudanças, de caráter permanente, ocorrem de forma necessariamente gradual, com o mecanismo institucional, mais limitado, mas tendo a sua relevância e eficiência, proposto por iniciativas de bancos centrais, como é o caso do SML.

1.      Utilização da moeda nacional nas transações de comércio exterior
As possibilidades de uso da moeda de denominação no comércio internacional são: moeda do exportador, moeda do importador e a denominada moeda veículo, que é emitida por terceiro país, não envolvido na transação bilateral. A experiência histórica mostra que uma série de fatores explica a utilização de moedas específicas de denominação no comércio internacional, por parte de vários países. E revela também que mudanças nessa utilização ocorrem de forma gradual, como pode ser exemplificado no caso da libra esterlina que, apesar do declínio da importância econômica do Reino Unido a partir da 1ª Guerra Mundial manteve-se, até a 2ª Guerra, como moeda internacional, papel exercido à época juntamente com o dólar norte americano. A moeda norte americana permanece desde então como principal moeda, sendo utilizada por vários países em seu comércio internacional e sendo secundada pelo euro, desde a sua criação, dez anos atrás. Os países tendem a manter em suas reservas internacionais maiores parcelas nas moedas nas quais realizam suas transações comerciais e financeiras externas.
A escolha da moeda de denominação das transações de comércio internacional tem implicações macro e microeconômicas. Para as empresas, a escolha afeta a sua maximização esperada de lucros. Neste sentido, a utilização de uma moeda no comércio internacional está associada:

(i)                         ao tamanho do país cuja moeda é utilizada, bem como à profundidade e importância de suas relações de comércio com outros países;
(ii)                       aos custos de transação, inclusive custos de compra e venda das moedas. As moedas mais transacionadas tendem a ter menores custos e, por inércia, também tendem a manter essa posição;
(iii)                     às moedas utilizadas nas transações por outros produtores, dado que empresas não querem se distanciar das estratégias adotadas por seus concorrentes, principalmente em indústrias cujos produtos são substitutos próximos;
(iv)                     à composição dos bens importados e exportados – quanto mais diferenciados forem os bens, por exemplo, maior a possibilidade de uso da moeda do exportador como denominação;
(v)                       aos aspectos específicos da volatilidade macroeconômica do país. A existência de mercado financeiro doméstico desenvolvido também contribui favoravelmente para o uso da moeda no comércio internacional;
(vi)                     a mecanismos de hedge contra flutuações cambiais que possam afetar sua receita.
Adicionalmente, aspectos como a presença de mercados bem organizados e poder de barganha das empresas podem afetar a moeda de denominação da transação. Nas vendas de grandes volumes, o exportador tem maior capacidade para denominar a transação na moeda de sua preferência. Segundo Goldberg e Tille, (2009), o dólar é a principal moeda de denominação nas transações de bens negociados nos mercados mais formais ou onde ela predomina com preço de referência.
No plano macroeconômico, teoricamente, a denominação do comércio internacional afeta os mecanismos de transmissão de política econômica e os ciclos de negócios, como apresentado nos trabalhos de Bachetta (2005) e Oi (2004). A literatura recente sobre as implicações da moeda de denominação e das decisões de preços sobre a política monetária aponta que, nos países cujas moedas são utilizadas na denominação das transações, os preços são relativamente estáveis. Em países cujas moedas não são utilizadas, os preços dos tradables se movem (em moeda local) com as oscilações da taxa de câmbio e, como resultado, o consumo responde a mudanças nos preços relativos induzidas pela variação cambial.
Anteriormente, no Brasil, a própria legislação impunha obstáculos à maior utilização da moeda nacional nas transações de comércio exterior. Originadas em um período de necessidade de obtenção de divisas para fazer frente a problemas de balanço de pagamentos, as normas então vigentes buscavam incentivar a entrada de moeda conversível através de rigorosos controles sobre as operações cambiais. Adicionalmente, o cenário de elevadas taxas de inflação resultaram na perda das funções de medida e de reserva de valor, inviabilizando sua utilização para os pagamentos de operações maior prazo, características do comércio internacional. Com a melhora dos fundamentos da economia e a redução da vulnerabilidade externa, a moeda nacional passou a cumprir com as funções clássicas da moeda. Isto permitiu o início de um processo de modificação na sua legislação e regulamentação cambiais e de comércio exterior visando desburocratizar os procedimentos e reduzir os custos de transação.
O recebimento em reais das exportações brasileiras de bens e de serviços foi autorizado em 2007[1], permitindo às empresas brasileiras faturar suas vendas em moeda local. Neste mesmo ano, a emissão de registros de exportação para recebimento em moeda nacional passou a ser admitida independentemente do destino ou do produto[2]. Até então, o recebimento de exportações em reais somente era possível para o comércio fronteiriço de produtos específicos, em municípios limítrofes determinados, e para a venda de bens ou serviços para mutuários de projetos financiados por organismos sub-regionais de desenvolvimento, mediante o uso de recursos originariamente aportados pelo Brasil, em moeda nacional.[3]
Por sua vez, a Lei n° 11.803/2008 permitiu aos bancos autorizados a operar no mercado de câmbio dar cumprimento a ordens de pagamento em reais recebidas do exterior, mediante a utilização de recursos em moeda nacional mantidos em contas de depósito de titularidade de instituições bancárias domiciliadas ou com sede no exterior. A Resolução CMN n° 3.657/ 2008 eliminou, por sua vez, a restrição de recebimento em reais de receita de exportação registrada em moeda estrangeira. Estas medidas marcam o início de um processo internacionalização do real.
Neste sentido, as discussões acerca do desenvolvimento de um canal de fácil liquidação das transações comerciais em moeda local entre Brasil e Argentina tiveram origem, em 2005, no reconhecimento da relevância do fluxo de comércio bilateral. Segundo dados do MDIC, em 2007 e 2008, a Argentina foi o segundo maior destino de exportações brasileiras, sendo a quase totalidade das operações liquidadas em dólares americanos. Na oportunidade, verificou-se também a indisponibilidade de instrumentos financeiros de baixo custo para transações peso/real e as dificuldades e custos associados à liquidação de transações em moeda local.
A proposta de desenvolvimento de um mecanismo de liquidação utilizando as moedas nacionais teve como principal objetivo, avançar no processo de integração regional. O estabelecimento de uma cotação entre as moedas regionais, uma das bases do funcionamento do SML, foi um dos primeiros passos no processo de integração europeu. Adicionalmente, os agentes econômicos só podem se beneficiar plenamente da maior integração entre os países e do movimento livre de bens e serviços se houver uma estrutura eficiente de liquidação das transações. Nos processos de integração regional, a disponibilidade de uma infraestrutura que permita a ocorrência de transações comerciais a custos mínimos é fator primordial para o seu sucesso. Diante de sua importância, ganham destaque iniciativas desenvolvidas em todo o mundo visando à modernização dos canais de liquidação entre países.
Referências Bibliográficas
Bacchetta, P. e van Wincoop, E. (2005). “A theory of the currency denomination of international trade.” Journal of International Economics, (December) 67(2), pp. 295-319.
Einchengreen, B. (2009), “The dollar dilemma: the world’s top currency faces competition". Foreign Affairs, September/October.
Einchengreen, B. e Flandreau (2008), The rise and fall of the dollar, or when did the dollar replace sterling as the leading international currency?, NBER Working Paper 14154, July.
Goldberg, L. (2009) “Currency invoicing of international trade”. The Euro at ten: the next global currency?. Pisani-Ferry & Posen (eds.), Perterson Institute.
Goldberg, L; Tille, C. (2005) “Vehicle currency use in international trade”. Journal of International Economics, 76, pp. 177-192.
Goldberg, L; Tille, C. (2009) The dynamics of international trade invoicing. memo
Kamps, A. (2006) The Euro as invoicing currency in international trade. Working Paper 665, European Central Bank.
Lane, P. (2001) “The new open economy macroeconomics: a survey”, Journal of International Economics, 54 (2), pp. 235-266.
Ligthart, L., Silva, J. (2007) Currency invoicing in international trade: a panel data approach. Tilbug University discussion paper 2007-25.
Obstfeld, M, Rogoff K. (1995) “Exchange rate dynamics redux”. Journal of Political Economy, 103, 624–660.
Oi, H et al (2004) “The choice of invoicing in international trade: implications for the internationalization of the Yen”. Institute for Monetary and Economic Studies, Bank of Japan, March.


[1]Resolução Camex nº 12/2007
[2]Portaria Secex n° 7, de 2007
[3]Outras medidas incluem a Lei n° 11.803/2008, que permitiu aos bancos autorizados a operar no mercado de câmbio dar cumprimento a ordens de pagamento em reais recebidas do exterior, mediante a utilização de recursos em moeda nacional mantidos em contas de depósito de titularidade de instituições bancárias domiciliadas ou com sede no exterior. A Resolução CMN n° 3.657/ 2008 eliminou a restrição de recebimento em reais de receita de exportação registrada em moeda estrangeira.

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