CONVERSIBILIDADE CRUZADO-ESCUDO
O tema conversibilidade voltou à pauta com a declaração do
Presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, e do Ministro da
Fazenda, Paulo Guedes de que pretendem tornar o Real uma moeda conversível. A
estratégia anunciada é de promover uma liberalização da legislação cambial,
minimizando as restrições cambiais impostas troca do real por outras moedas.
De fato, a definição de conversibilidade é diferente
dependendo do sistema cambial vigente no sistema monetário internacional. Assim
sob padrão ouro significava a troca da moeda por ouro a uma taxa fixa, depois, no
sistema estabelecido em Breton Woods a troca da moeda por outra moeda, no caso
o dólar que por sua vez mantinha seu valor em relação ao ouro. Com o fim da
conversibilidade do dólar em ouro em 1971 e a flutuação generalizada das
moedas, o conceito desapareceu do Convênio Constitutivo do FMI, que passou a
utilizar o conceito de moeda livremente utilizável.
Em 1988 o Diretor da Área Externa do Banco Central do
Brasil, solicitou que o então Departamento de Organismos e Acordos
Internacionais (DEORI) preparasse um estudo sobre como aumentar a conversibilidade
entre o cruzado e o escudo, a propósito de visita de autoridade portuguesa ao
Brasil. Coube a mim, como Chefe da Divisão de Organismos Internacionais
elaborar a nota transcrita a seguir.
Em termos de contexto há que se registrar que em 1987 havia
sido declarada moratória relativa ao Plano Bresser e a escassez de dólares era
o contexto vigente. Conforme Ceres Cerqueira 1,, “os problemas que
levaram o país à denominada moratória tiveram sua origem no Plano Cruzado que
prolongou controle dos preços por tempo superior ao suportável. A demora em
ajustar o Plano de Estabilização Econômica fez surgir primeiramente o ágio e
depois o desabastecimento. Para tentar atender à demanda, o governo despendeu
divisas em importações, com o que suas reservas chegaram a um nível crítico”.
A escassez de divisas
sempre norteou as iniciativas de cooperação financeira entre Bancos Centrais
das quais o Banco Central do Brasil participou ou discutiu até o equacionamento
da dívida externa e estabilização econômica do Plano Real. Essa escassez por
sua vez estava relacionada à manutenção de políticas econômicas incompatíveis
com a estabilização do País num ambiente de taxas de câmbio relativamente
estáveis e alta inflação. A escassez de divisas foi, por exemplo, o contexto na
criação do CCR entre os países da América Latina, o qual por sua vez se espelhou
na experiência da União Europeia de Pagamentos (EPU – European Payments Union).
Como se sabe, a EPU foi criada para facilitar a conversibilidade dos saldos de
moedas europeias estrangeiras no pós-guerra.
As propostas contidas na nota têm clara preocupação
com a situação de pagamentos internacionais do Brasil em 1987/1988. O que se pretendia, em última instância era
uma maior utilização das moedas de Brasil e Portugal para pagamentos
internacionais entre os países, ou seja, um aumento do uso internacional dessas
moedas. Seria, portanto, uma espécie de Sistema de Pagamentos em Moedas Locais
(SML) entre os países. Com a tecnologia atual, a liquidação diária é possível
evitando-se a concessão de créditos entre os países a não ser por eventos de
força maior como ocorre no SML entre o Brasil e os países do Mercosul.
Abaixo o conteúdo da nota de junho de 1988.
“O conceito de moeda conversível vem evoluindo ao longo do tempo
e dos diferentes sistemas cambiais. Isso não obstante podemos dizer que mantem sempre
três dimensões que pode ser diferentemente enfatizadas:
- · Possibilidade de uso da moeda, ou seja, facilidade com a qual é trocada por bens e serviços estrangeiros;
- · Possibilidade de transacionar com a moeda, ou seja, facilidade de trocar a moeda por outra moeda, e,
- · Valor de troca da moeda por bens e serviços ou por outra moeda.
Essas dimensões correspondem na prática a respectivamente:
- · Ausência de restrições cambiais e existência de amplo mercado para bens e serviços
- · Existência de mercado no qual a moeda seja transacionada
- · Taxa de cambio a qual a moeda é transacionada ou trocada por bens e serviços, não difere substancialmente da taxa de câmbio oficial ou cruzada através do dólar.
Algumas dessas características podem ser influenciadas por
ações oficiais. Para outras, o governo não pode fazer mais nada do que criar um
ambiente propício e assim incentivar a existência dos mercados.
Com base nesses
critérios e nos dados disponíveis para o relacionamento financeiro-comercial
Brasil Portugal, assim como das taxas de câmbio, analisaremos as possíveis
alternativas para se dotar o cruzado de alguma conversibilidade em relação ao escudo.
Uma análise rápida dos dados nos mostra que o valor do
intercâmbio Brasil Portugal tem-se mantido constante nos últimos oito anos com
valores em torno de US$ 150 milhões de dólares e que somente em 1986 – ano do
Plano Cruzado – a balança comercial foi favorável a Portugal. Os dados do
balanço de pagamentos bilateral, se bem que muito defasados, parecem indicar
que Portugal é credor do Brasil.
Segundo os registros do Departamento de Capitais
Estrangeiros (FIRCE), os investimentos portugueses no Brasil, acumulado até
1987, atingiam US$ 61, 1 milhões, sendo que no período 81/86, a média foi de US$
1,5 milhões anuais. Já o investimento brasileiro em Portugal, em termos de
estoque atingia US$ 7,0 milhões em 31.12.87 dos quais US$ 6,2 milhões em
dólares e o equivalente a US$ 845 mil em escudos, sendo o fluxo anual muito
irregular.
O sistema cambial português, pela classificação do FMI, era semelhante ao brasileiro sendo as taxas de câmbio ajustadas em relação a um
conjunto de indicadores. Analises das taxas de câmbio dos dois países no
período 1980/1987 nos mostra que Portugal tem praticado uma política de
valorização de sua taxa de cambio resultando, em princípio, em aumento da
competitividade dos produtos brasileiros naquele mercado.
Se bem que seja relevante termo uma ideia do relacionamento
financeiro bilateral, há que se levar em conta que justamente o que se pretende
é alterar o perfil existente, seja através de um maior volume de importações
pelo Brasil, seja através de maiores investimentos brasileiros em Portugal, que
viabilizariam uma maior abertura para nossas exportações à Comunidade Econômica
Europeias. Ambas alternativas envolvem saída de recursos do país sendo
necessário minimizar o dispêndio de dólares. Para tanto, seria de se dotar o cruzado
de algum grau de conversibilidade em relação ao escudo.
Passamos então a analisar algumas alternativas tendo em
conta os critérios apresentados ao início do trabalho. De maneira geral,
podemos dize que é difícil aumentar a possibilidade de uso do cruzado/escudo
através de liberalização cambial-comercial somente para Portugal, uma vez que
seria considerada medida discriminatória pelo então GATT (NP transfomado emWTO). Quanto aos investimentos,
em princípio, poderiam ter tratamento preferencial, uma vez que o Fundo
Monetário Internacional tem como jurisdição somente transações correntes.
1) Criação de um Convênio Bilateral de
Pagamentos
Seria a opção mais simples de se operacionalizar pela
experiência já adquirida pelo País e rede bancária. Significaria manter a taxa
de cambio cruzada escudo-cruzado, via dólar, sendo o racionamento feito através
das quantidades. Para não causar problemas com o FMI, os saldos teriam que ser
liquidados em moeda de livre uso a cada três meses e os juros cobrados pelos
saldos devedores, de mercado. Só haveria dispêndio de dólares na medida em que
houvesse saldo favorável a Portugal. Haveria que se considera que, por outro
lado estaríamos deixando de receber as divisas relativas a nossas exportações
2) Leilões oficiais de escudos
Trata-se de prática adotada pelos países que flexibilizaram
a determinação de sua taxa de câmbio, como por exemplo a Bolívia, cujo Banco Central
realiza leilões diários de divisas. A oferta poderia ser constituída pelo
resultado das exportações brasileiras àquele país (Portugal), sendo o
racionamento realizado via preços. A vantagem desse mecanismo é que a medida
que as exportações fossem efetivamente aumentadas aumentaria a oferta de
escudos para esse fim. Seria uma maneira de incentivar a possibilidade de
transacionar a moeda e assim aumentar o grau de conversibilidade do cruzado em
escudo.
3) Criação de um mercado interbancário para
escudos
Seria o funcionamento normal do mercado, com o investidor
fechando o câmbio em escudos. Implicaria em despesa cambial, já que o Banco
Central teria que comprar os escudos no mercado internacional. Se quisermos
manter a taxa de cambio o Banco Central teria que conceder repasse e cobertura
aos bancos do esquema. Neste último caso a principal desvantagem é que o
mercado sendo muito pequeno poderia ser manipulado por poucos participantes.
4) Contas de conversibilidade para
investimentos
Criar-se iam contas nos respectivos bancos centrais que
administrariam a transferência de recursos como no caso do convênio bilateral.
O investidor brasileiro entregaria os cruzados aqui recebendo escudos em
Portugal e vice-versa. De tempos em tempos, os bancos centrais liquidariam suas
posições em uma terceira moeda. A taxa poderá ser cruzada em relação ao dólar e
poder-se-ia limitar a venda de escudos à perspectiva do saldo do balanço de
pagamentos em determinado período. Hoje, como visto, esse valor pode ser
estimado entre 80/10 milhões de dólares anuais. Num primeiro ano, poderia ser fixado
um limite de US$ 60 milhões.
O controle seria feito a exemplo de outros realizados com países
do leste europeu, de forma muito mais fácil já que os pedidos transitariam
previamente pelo FIRCE. Em princípio, a jurisdição do FMI está limitada a transações
correntes não podendo impor sanções e restrições a transferência de capitais.
5) Contas de conversibilidade limitada ou
contas de não residentes
À
semelhança de esquema já existente em Portugal, poderia se permitir a abertura de
contas de não residentes em escudos e cruzados nos bancos comerciais dos
respectivos países, que poderiam ser movimentadas por transações autorizadas
nas moedas relativamente a importações, exportações de bens, serviços e capitais
e transferência entre tais contas. Nesse esquema o exportador brasileiro
receberia escudos que seriam depositados em sua conta podendo investi-los ou
transferi-los a quem quisesse investir. A principal desvantagem desse esquema
seria a dificuldade de controle das transações.
Conclusões
Poder-se
ia criar mecanismos que minimizem o uso de divisas para atender o
relacionamento específico com Portugal. Deve-se alertar, entretanto, que como o
Brasil é superavitário, qualquer mecanismo implicará uma alteração no fluxo de
caixa retardando o recebimento das divisas em função da data de vencimento das
compensações. Por outro lado, a hipótese de que surgiria um canal
cruzado-escudo-dólar apesar de certo controle cambial que existe em Portugal,
não afetaria nossa posição de reservas e sim a posição portuguesa.
Finalmente
gostaríamos de esclarecer que as opções apresentadas são meramente teóricas
cuja operacionalização deverá ser estudada pelos setores apropriados.
1/ Cerqueira
Ceres Aires, Dívida Externa Brasileira, 2ª ed. Brasília: Banco Central do
Brasil, 2003 pág 45
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