1a parte de texto publicado em espanhol em preparação para a Presidencia pelo Brasil do Grupo dos Vinte e Quatro para Assuntos Monetários Internacionais
Uma
introdução ao Sistema Monetário Internacional
A Função do
Grupo dos Vinte e Quatro
Dos
objetivos do Sistema ao Problema da Supervisão
Maria Celina Arraes
Olavo Cesar da Rocha e Silva
Publicado em espanhol pelo CEMLA
em 1988 1/
Coleção “Investigaciones” número
51
“Assuntos somente dominados por especialistas atraem pessoas brilhantes
e suscitam ideias excêntricas... Em ocasiones, tais questões carecem de uso
prático. Mas as vezes são de grande valor.
O mesmo acontece com o sistema monetário internacional. São poucos os
economistas acadêmicos que chegam a duvidar de sua importância e a maioria das
pessoas se apressam a passar de este para outros campos. Quem se dedica a essa
especialização, talvez umas 300 pessoas aproximadamente, em um período
determinado, apresentam numerosos planos, ideias e críticas que são lidos por
outro grupo quase da mesma magnitude. Figuram entre eles, algumas pessoas do
âmbito comercial, mas a maioria é de representantes de bancos ou de ministros
da área financeira. Estes representantes têm ideias próprias que oferecem
periodicamente em informes, sob os títulos mais variados, cujo conteúdo e lido
por quase todos os 300 acadêmicos mencionados e ignorados pelo resto dos
mortais.
Esse grupo que soma 6000, ao qual adequadamente poderia se denominar
G600, constitui a fonte de todo debate informado sobre a situação financeira
internacional. (transcrição de The Economista, em Senhor, São Paulo, 1985”)
O presente estudo trata de ser didático,
no sentido de que procura reunir ideias e conceitos e a terminologia
correspondente, relacionados com o funcionamento do sistema monetário
internacional, com muita frequência restrito a um pequeno grupo de técnicos.
Por exemplo:
·
Qual o significado da supervisão do Fundo
Monetário Internacional?
·
Que são as “zonas objetivos” para flutuação das
taxas de câmbio?
·
Quais são as origens e como funciona o Grupo dos
Vinte e Quatro?
·
Como funciona o Grupo dos Dez e qual sua origem?
·
Que significa a consulta referida no Artigo IV
do Convenio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional?
O principal
motivo do presente ensaio se origina do fato de que o Brasil vai ser presidente
do Grupo dos Vinte e Quatro (Grupo Intergovernamental dos Vinte e Quatro sobre
Assuntos Monetários Internacionais), no período de abril de 1988 a abril de
1989. O Banco Central do Brasil, apesar de ser o depositário da documentação
(dos organismos – NA) e não obstante sua participação nos debates do Grupo
desde suas origens, não tinha disponíveis as informações de forma sistemática e
organizada, sendo a experiência transmitida, essencialmente, em termos
pessoais. Ao proceder ao estudo, tivemos a necessidade de remete-lo a teoria
econômica pertinente, como base para melhor compreensão dos temas, já que nos
dirigimos a quem não está familiarizado com certo nível de teoria econômica.
A organização
fundamental do texto está, dessa maneira, ligada a participação brasileira no
Grupo dos Vinte e Quatro. Após a parte introdutória, na qual se descrevem as
características essenciais do sistema monetário internacional, o papel
desempenhado pelo FMI, e um breve relato sobre a criação do Grupo dos Vinte e
Quatro e do Grupo dos Dez, passamos a apresentar os principais temas em debate,
ou seja, os sistemas cambiais e a supervisão do FMI. São esses também os
primeiros capítulos do mais recente informe sobre a necessidade de
aperfeiçoamento do sistema monetário internacional, produzido pelos países em
desenvolvimento, mediante o Grupo.
A decisão de
publicar o estudo em partes, se justifica pelo fato de não querer perder a
oportunidade de que alguns dos temas tratados – sistemas de cambio e supervisão
do Fundo – serem cada vez mais de interesse geral. Mais concretamente, a
variação excessiva das taxas de câmbio dos países industrializados, ou sua
manutenção, em níveis que não correspondam a realidade econômica dos países, têm
repercussões obvias sobre o serviço da dívida externa dos países em
desenvolvimento, problema ainda sem solução após cinco anos de seu início.
Existem também consequências menos diretas, como por exemplo o recrudescimento
de pressões protecionistas que prejudicam nossa capacidade de exportação, e
influencias negativas sobre o crescimento dos próprios países industrializados.
Depois, na
primeira parte, vamos examinar o arcabouço institucional e as condições de
funcionamento do sistema monetário internacional, e, em uma fase posterior,
procuraremos estudar a relação recíproca entre o problema da liquidez
internacional, a dívida externa e o papal recente desempenhado pelo FMI.
II Resumo e conclusões
A
integração dos mercados de bens e serviços, a nível mundial, assim como a
internacionalização dos mercados financeiros, resultaram em crescente grau de
interdependência das economias. Se por um lado, essa tendência tem beneficiado
os países, na medida em que promove maiores níveis de produção, em função do
uso mais eficiente dos recursos, por outro lado, tem também seus custos: maior
vulnerabilidade aos distúrbios que surgem em outros países e redução da
autonomia nacional em decidir os níveis de preço e da atividade econômica
internos.
As dificuldades surgidas em função
da evolução da interdependência dos países têm tornado cada vez mais importante
a análise do sistema monetário internacional e do comportamento de seus atores.
Tais dificuldades afetam não só os países desenvolvidos, no sentido da
repercussão mutua de suas políticas, como, principalmente os países em
desenvolvimento que são afetados por políticas exógenas, possuindo menor grau
de defesa.
Tal assimetria está refletida no
processo decisório no âmbito do sistema monetário internacional: de um lado, o
Grupo dos Dez - países industrializados - cujas moedas são utilizadas na grande
maioria das transações financeiras e comerciais e de outro, os países em
desenvolvimento, representados no Grupo dos Vinte e Quatro que procura agir em
contraponto as decisões do Grupo dos Dez e de alguma forma influencia-las, uma
vez que tais decisões determinarão a criação de um ambiente mais ou menos
favorável a suas aspirações de desenvolvimento.
O modo pelo qual os países interagem
em resposta aos problemas econômicos, depende do sistema cambial no qual
operam. Teoricamente, se um pais objetiva utilizar basicamente a política
monetária para atingir metas de renda, crescimento e estabilidade de preços, ou
sente que está sujeito a influencias indesejáveis de ações de países ou
parceiros mais importantes, sua decisão deve ser de permitir a flutuação da
taxa cambial. O pais evita importar a inflação ou deflação por não permitir
variações de suas reservas, neutralizando assim as variações de demanda
proveniente do exterior.
Assim, os governos dos principais
países, responsáveis pela maior parte do comercio mundial, tem crescentemente
aceito que maior flexibilidade nas suas taxas de câmbio resultaria em melhor
controle dos seus objetivos econômicos internos, resultando, a partir da década
de setenta, em tendência nessa direção. Entretanto, a avaliação atual dos
resultados de mais de dez anos de flutuação não corresponde ao esperado na
teoria: não resultou em maior independência dos países em determinar suas políticas
e apresentou excessiva volatilidade e desalinhamento, ou seja, não promoveu
taxas de câmbio de equilíbrio e como resultado das incertezas, não diminuiu a
necessidade de reservas.
Neste sumario não vamos entrar em
detalhes sobre as principais críticas e defesas do sistema de taxas de câmbio
flexíveis, ou melhor o dito sistema híbrido que em que vivemos atualmente. Existe,
entretanto, um ponto indiscutível: os países em desenvolvimento concordam que é
necessário aperfeiçoar o sistema cambial, mas não existe concordância de como
fazê-lo.
Existem várias propostas de aperfeiçoamento, que podem ser resumidas da
seguinte maneira:
·
estabelecimento de zonas de flutuação para as
moedas, estimulando-se os países a adotar determinadas medidas ou ao menos do
silvem quando o valor de sua moeda esteja fora da referida zona.
·
estabelecimento de indicadores objetivos ou
metas de política macroeconômica, nos principais países industrializados, que
poderiam servir de marco para uma primeira fase de supervisão multilateral, no
sentido de manter taxas de câmbio sustentáveis.
·
aperfeiçoamento dos
atuais métodos de Supervisão do sistema cambial pelo FMI.
Todas essas opções representam um
fortalecimento da cooperação internacional ou da coordenação de políticas
econômicas dos países de maior peso na economia mundial. De fato, este tema tem
figurado na ordem do dia dos foros internacionais, inclusive as conferências de
cúpula, como por exemplo a de Tóquio, de maio de 1986 e de Veneza de junho de
1987. Na conferência de Tóquio concordou-se que seria proveitosa a utilização
de indicadores para avaliar o comportamento e a compatibilidade das políticas
econômicas dos países industrializados, e na de Veneza que a recomendação de
que observação dos acontecimentos se fizesse com a colaboração do Diretor
gerente do FMI.
O Grupo dos Vinte e Quatro vem
defendendo a ideia de que o FMI está obrigado a fortalecer a supervisão, a fim
de que possa exercer sua influência com eficácia, no sentido de promover a
recuperação de atividade econômica mundial e a expansão do comercio, o que
teria consequências benéficas sobre o crescimento dos países em desenvolvimento
e sua capacidade de servir a dívida externa.
III. DEFINIÇÕES e
OBJETIVOS DO SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL
Segundo
Robert Solomon (1977)2 o sistema
monetário internacional pode ser definido como um conjunto de acordos, regras,
práticas e instituições sob os quais são realizados os pagamentos por
transações além das fronteiras domésticas.
Tal
conjunto de regras e regulamentos está consubstanciado não só no Convênio
Constitutivo do Fundo Monetário Internacional - organismo que seria responsável
pela administração do sistema - mas também por acordos e consultas entre os
países, através do GATT, OCDE, BIS, UNCTAD e as organizações regionais, daí a
complexidade do funcionamento do sistema.
De uma
perspectiva econômica, podemos dizer que os objetivos do sistema monetário internacional
são semelhantes aos de um sistema monetário domestico, isto e, facilitar o
processo de especialização e troca e, consequentemente, a plena utilização dos
recursos. Sua necessidade se origina da existência de estados soberanos em cujo
território não se consegue exaurir todos os benefícios potenciais derivados de
tal processo de especialização e trocas.
Sendo
assim, o sistema monetário internacional tem sido avaliado por sua capacidade
de promover eficiência microeconômica na alocação de recursos e pelo alcance
dos objetivos macroeconômicas de baixa inflação, pleno emprego e altas taxas de
crescimento. Também tem sido considerada na usa avaliação, a capacidade de o
sistema resolver alguns problemas que surgem de sua própria operação, particularmente,
os problemas de liquidez internacional, de confiança e de ajustamento.
Tradicionalmente,
os aspectos macroeconômicos da operação do sistema monetário internacional têm
sido avaliados em termos das restrições que a necessidade de ajustamento do balanço
de pagamentos impõe sobre as políticas econômicas domésticas.
Em
termos ideais, da perspectiva de um único país, o desejável seria um sistema
monetário internacional que atue como estabilizador automático para as
flutuações econômicas domésticas, enquanto limite a importação de distúrbios do
exterior. De uma perspectiva global, seria preferível um sistema que não
gerasse problemas por si próprio; e que exercesse influencia estabilizadora sobre
distúrbios gerados exogenamente, ao tempo em que preservasse a liberdade dos
países de utilizarem sua política econômica para compensar os efeitos de
problemas de ordem interna ou internacional. Naturalmente que tais posições têm
aspectos conflitivos e, dada a época e o ambiente econômico, um sistema
monetário internacional diferente pode atender melhor esses critérios.
O sistema com base no padrão-ouro- que vigorou, com algumas variações, até a
Grande Depressão - forçava as economias a se ajustarem ao resultado do balanço
de pagamentos e ao crescimento da oferta mundial de ouro. Assim, os problemas de
ajustamento e liquidez estavam a priori equacionados. Em tal sistema, a oferta monetária
do pais variava automaticamente em função das entradas e saídas de ouro,
resultantes das relações comerciais e financeiras do pais com o resto do mundo.
Este processo automático afetava a capacidade dos governos em controlar suas
economias, em um mundo em que era crescente a influência governamental.
O sistema de Brettton Woods3 procurou reduzir as restrições de balança
de pagamentos sobre as políticas internas, ao permitir modificações das taxas
de câmbio dentro de condições estabelecidas. Não proporcionou, entretanto, um
esquema vigoroso para determinar as responsabilidades de ajuste. Por
conseguinte, os reajustes de paridade ocorriam somente depois de uma série de
crises acumuladas. O problema de liquidez do sistema se avaliou considerando o
chamado dilema de Triffin: enquanto a acumulação de dólares por não residentes
dos Estados Unidos obedecia a necessidade de liquidez internacional, esse
processo afetava a capacidade que os próprios Estados Unidos tinham de manter a
conversibilidade do dolar em ouro ao preço de 35 dólares por onça, e, por
conseguinte influía na confiança do sistema. Por outro lado, colocar fim aos
déficits de balança de pagamentos estadunidenses conduziria a uma escassez de
liquidez. A solução proposta para este dilema foi a criação dos Direitos
Especiais de Saque. (DES). Segundo Willet (1983), a principal deficiência do
sistema, não era, sem embargo, a liquidez e sim a falta de princípios adequados
para o ajuste da balança de pagamentos. Em resumo, a ruptura foi causada por
grandes déficits de balança de pagamentos estadounidense, engendrados pela
guerra do Vietnam e precipitados por uma grande saída de capitais.
O sistema posterior a Bretton
Woods, em vigor desde 1973, coloca problemas de liquidez, de confiança e de
ajuste, mas dá considerável liberdade a políticas internas dos países,
isolando-as de influências externas. Se
bem que a maioria dos analistas sustenta que a adoção de taxas de câmbio
flexíveis melhorou o funcionamento do processo de ajuste internacional, outros
opinam que tal sistema cambial gera crises continuas, devido a sua
instabilidade e que foi, dessa maneira, uma das principais causas da inflação
mundial, ao ser motivo de círculos viciados de desvalorização e inflação. No
que concerne a liquidez, a adoção de um sistema de flutuação perfeitamente
livre tende a reduzir a necessidade de reservas, se bem que, no atual regime de
flutuação administrada, exista os problemas que se analisa na seção VI.
Em suma, podemos dizer que o
sistema monetário internacional trata, no fundamental, do seguinte:
a)
Quais são os meios de pagamento utilizados nas
transações entre países e como se determina seu valor
b)
Como são criados esses meios de pagamento, e
como se controla seu volume.
c)
Como são financiados os desequilíbrios de
pagamentos entre países: uso de credito ou de reservas
d)
Como são ajustados os desequilíbrios das
posições de pagamentos, incluindo a fixação e alterações das taxas de câmbio.
Apesar de todas estas definições,
e preciso recordar sempre que um sistema monetário internacional ótimo é
delimitado por seu próprio conceito e conteúdo. Como Solomon expressou:
“Do Santo Império Romano se disse que
não era nem santo, nem romano nem império. O sistema monetário internacional
não e plenamente internacional, porque Rússia e China , entre outros países
participam marginalmente, dada sua amplitude é mais que monetário e quanto a
formal, é menos que um sistema coerente”.
Conclusões
Como foi exposto na introdução,
no presente estudo nos propusemos muito mais destacar como funcionou o sistema
monetário internacional nos últimos anos e a atuação do Grupo dos Vinte e Quatro,
dentro de daquele marco, que efetuar uma simples avaliação de tais temas. Isso
não obstante, não podemos nos furtar a expor alguns comentários.
Se quisermos resumir em uma frase
todo o ensaio, poderíamos dizer que a história do sistema monetário internacional
é a história dos ajustes de pagamentos entre economias. Taxas de câmbio fixas
ou flexíveis, supervisão, etc., foram e são soluções para promover o ajuste dos
pagamentos internacionais entre diferentes economias em várias ocasiões.
No processo de decisão
internacional, o Grupo dos Vinte e Quatro esteve, muitas vezes, a reboque das
decisões dos países desenvolvidos. Isso não é novidade. As moedas dos países
industrializados são utilizadas na maioria das transações internacionais. De
outra parte, o grupo de países que decide se acha cada vez mais restrito.
Assim, por exemplo, no Grupo dos Dez, o poder atualmente, se reduziu a um
máximo de cinco países (Estados Unidos, Alemanha, França e Inglaterra).
A outros países sobra o direito
de pressionar. O processo de mudança, porém, é longo e pausado. Recentemente o
Grupo dos Vinte e Quatro tomou a dianteira, incluindo em suas recomendações o
uso de indicadores econômicos no exercício da supervisão pelo FMI e viu que,
parcialmente, se aproveitaram suas ideias. Talvez o momento tivesse sido
favorável para a iniciativa. Os Estados Unidos estão interessados nela, como
uma forma de pressionar Alemanha e Japão a adotarem políticas mais expansivas,
e assim compartilhar a carga de um ajuste na economia mundial. Mas é também
verdade que a publicação dos números resulta, ademais, uma possibilidade de
pressão. Põe-se em prática o que poderia ser classificado como “política de
ajuste o vizinho”4.
Os países em desenvolvimento se
quiserem ter voz nos problemas monetários internacionais, não poderiam
manter-se em passividade. Assim, por exemplo, no caso da crise da dívida
externa, as opções emanam dos próprios devedores. O FMI e o Banco Mundial por
serem foros onde os países em desenvolvimento tem assento, são levados, pelo menos,
a discutir os assuntos. Ideias que em determinado momento possam parecer não
viáveis, podem ser aceitas no futuro. O principal papel do Grupo dos Vinte e
Quatro consiste em lançar as sementes.
Notas
1/ Em outubro de 1987, o Banco Central do Brasil difundiu o
presente ensaio, cujos autores são respectivamente, Maria Celina Arraes, Chefe
da Divisão de Organismos Internacionais, e Olavo Cesar da Rocha e Silva, Chefe
do Departamento de Organismos Internacionais (DEORI) da mencionada instituição.
2/Solomon R., The International Monetary System,
1985-1976 - An insider's View. New York: Haper & Row, Publishers, 1977
3/Bretton Woods, cidade do estado de New Hampshire, Estados
Unidos, onde se reuniu a Conferencia Monetaria Internacional (julho de 1944)
que fixaria os princípios da ordem monetária internacional do pós guerra.
4/ Por contraponto a política de empobrecer o vizinho (beggar
thy neighbour) com desvalorizações competitivas
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