Parte final do texto elaborado em 1994, quando eu trabalhava no FMI.
IV) SUMÁRIO E CONCLUSÕES
45. Procurou-se demonstrar nesse trabalho
que a discussão do conceito de conversibilidade monetária é atual e pode
resultar em definições de política bastante objetivas. O maior mérito de uma
tipologia como a proposta é tentar contribuir para ordenar as discussões sobre
o tema. Como visto, o conceito de conversibilidade evoluiu ao longo do tempo,
adaptando-se às circunstancias e objetivos, mantendo sempre suas dimensões de
uso, troca e valor. Pode-se dizer que o instrumento da
"conversibilidade" foi e vem sendo utilizado com objetivos definidos:
no pós-guerra pretendia-se eliminar as restrições ao comércio mundial e com
isso fomentar o crescimento econômico; no caso dos países em transição para
economia de mercado, a conversibilidade possibilita o estabelecimento imediato
de um sistema de preços que atua como substituto do sistema alocativo central;
e, finalmente, no caso dos programas de estabilização o compromisso de
conversibilidade assumido por um governo pode ser interpretado como uma garantia
de manutenção de política econômica compatível com a estabilização .
46. As posições extremas -- conversibilidade irrestrita e inconversibilidade -- não são muito frequentes, sendo as
intermediárias mais usuais, principalmente entre os países em desenvolvimento
e, mais recentemente, entre os países em transição para economias de mercado. O
quadro a seguir procura resumir as principais características das definições de
conversibilidade apresentadas. Por exemplo, "conversibilidade
irrestrita" para Williamson significa que para ser considerada conversível
uma moeda tem que atender a todos os requisitos, qualquer que seja o sistema cambial, tanto
para transações correntes como as de capital, utilizadas seja por residentes,
seja por não-residentes. Já para o FMI, em seu convênio original,
conversibilidade era considerada apenas no sistema de taxas de câmbio fixas e
relativa aos pagamentos em conta corrente, ou seja, o país teria sua moeda
considerada conversível pelo FMI, mesmo se utilizasse restrições a fluxos de
capital.
47. As diferentes gradações do conceito,
geralmente, são estabelecidas sobre quem tem o direito de converter e com qual
objetivo o direito de converter pode ser exercido. No que diz respeito a quem,
a principal diferenciação é exercida entre residentes e não-residentes. No caso
mais comum, a restrição à exportação de capitais por residentes forma uma
espécie de mercado cativo para a poupança interna, protegendo a política
econômica de um determinado país da concorrência externa. Com referência ao objetivo
da conversão, a principal diferenciação é quanto a transações correntes e de
capital. A liberalização geral das economias, ocorrida também no caso dos
países em desenvolvimento, leva a afirmação de que a conversibilidade, conforme
advogada pelo FMI, foi atingida num número muito grande de países. Evidência
dessa tendência é o crescente número de países que aceitaram as obrigações do
artigo VIII do Convênio Constitutivo do FMI [1]/.
48. No caso do Brasil, a conversibilidade
de transações correntes está praticamente atingida, principalmente por que,
após a finalização do acordo da dívida, não existem praticamente mais
restrições ao pagamento de juros ao exterior. Resta ainda uma discussão sobre
alguns atrasados com os credores do Clube de Paris. De maneira geral,
residentes e não-residentes podem comprar e vender moedas livremente por conta
de recebimentos e pagamentos por bens e serviços. Registre-se, entretanto, que
o Brasil até hoje permanece na categoria de arranjos cambiais transitórios
regidos pelo artigo XIV do Convênio.
49. A nível da conta de capital,
persistem uma série de restrições no regime cambial brasileiro, principalmente
no caso de residentes no País. Pessoas físicas ou jurídicas não-residentes
podem manter conta em moeda nacional no País, podendo transferir livremente
para o exterior recursos que tenham sido internalizados. Instituições
financeiras não-residentes estão autorizadas a comprar e vender moeda
estrangeira, livremente, no mercado interbancário. Isso não obstante, a
identificação das partes na transação torna-se cada vez mais utilizada no mundo
inteiro, mesmo em países considerados com direito de conversibilidade
irrestrita como nos Estados Unidos, com o objetivo de registrar os aspectos
fiscais e legais da remessa.
50. Quanto ao plano de estabilização
brasileiro estabelecido em julho de 1994, no momento da introdução da nova
moeda - o real - e do novo regime
cambial, a possibilidade de conversibilidade seria uma garantia adicional da
credibilidade do programa. A queda da inflação seria favorecida não somente
pela valorização ocorrida, no mercado cambial, do real em relação ao dólar, mas
também pelo fato de que os agentes econômicos acreditem que o governo vai
continuar tomando as medidas adequadas para viabilizar a estabilização.
Existem, é claro outras maneiras de se conquistar a credibilidade. Além disso,
como vimos, o Brasil praticamente atingiu a conversibilidade nas contas de
transações correntes do balanço de pagamentos e a liberalização cambial
ocorrida a partir de 1990 proporcionou vários mecanismos de entrada e saída de
capitais para não-residentes e residentes.
51. No caso da integração monetária e
constituição de um mercado comum, como intensamente discutido na literatura
relevante, uma moeda comum é equivalente ao compromisso irrevogável de fixar a
taxa de câmbio, juntamente com ausência de restrições de qualquer espécie entre
os países que estão se integrando.
Ressalte-se que na União Europeia as taxas de câmbio são estáveis, mas
ajustáveis, flutuando conjuntamente em relação às demais moedas. A
conversibilidade irrestrita, entretanto, foi atingida somente em 1990, com a
abertura total dos mercados financeiros. Assim, o Grupo Mercado Comum do
MERCOSUL deverá necessariamente continuar adotando medidas que aumentem a
conversibilidade das moedas na região, tanto na área de transações correntes,
quanto na de capital, paralelamente buscando o objetivo final da moeda única ou
das taxas irrevogavelmente fixas entre si.
52. Finalmente resta a questão sobre a
extensão da jurisdição do Fundo Monetário sobre restrições a conta de capitais.
Isso significaria que o país teria que solicitar a aprovação do FMI para impor
controles de capitais. Tais medidas, por sua própria natureza, têm que ser
adotadas de maneira rápida e de surpresa para serem efetivas. Como bem advoga
Kafka (1994), o que poderia estar sujeito à jurisdição do Fundo seria a
capacidade de impor controles temporariamente, sem consulta prévia, sendo a
aprovação a posteriori.
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