sábado, 12 de junho de 2021

 

Parte final do texto elaborado em 1994, quando eu trabalhava no FMI.



IV)  SUMÁRIO E CONCLUSÕES

 

45.           Procurou-se demonstrar nesse trabalho que a discussão do conceito de conversibilidade monetária é atual e pode resultar em definições de política bastante objetivas. O maior mérito de uma tipologia como a proposta é tentar contribuir para ordenar as discussões sobre o tema. Como visto, o conceito de conversibilidade evoluiu ao longo do tempo, adaptando-se às circunstancias e objetivos, mantendo sempre suas dimensões de uso, troca e valor. Pode-se dizer que o instrumento da "conversibilidade" foi e vem sendo utilizado com objetivos definidos: no pós-guerra pretendia-se eliminar as restrições ao comércio mundial e com isso fomentar o crescimento econômico; no caso dos países em transição para economia de mercado, a conversibilidade possibilita o estabelecimento imediato de um sistema de preços que atua como substituto do sistema alocativo central; e, finalmente, no caso dos programas de estabilização o compromisso de conversibilidade assumido por um governo pode ser interpretado como uma garantia de manutenção de política econômica compatível com a estabilização .

 

46.   As posições extremas --  conversibilidade irrestrita  e inconversibilidade --  não são muito frequentes, sendo as intermediárias mais usuais, principalmente entre os países em desenvolvimento e, mais recentemente, entre os países em transição para economias de mercado. O quadro a seguir procura resumir as principais características das definições de conversibilidade apresentadas. Por exemplo, "conversibilidade irrestrita" para Williamson significa que para ser considerada conversível uma moeda tem que atender a todos os requisitos,  qualquer que seja o sistema cambial, tanto para transações correntes como as de capital, utilizadas seja por residentes, seja por não-residentes. Já para o FMI, em seu convênio original, conversibilidade era considerada apenas no sistema de taxas de câmbio fixas e relativa aos pagamentos em conta corrente, ou seja, o país teria sua moeda considerada conversível pelo FMI, mesmo se utilizasse restrições a fluxos de capital.

 

47.           As diferentes gradações do conceito, geralmente, são estabelecidas sobre quem tem o direito de converter e com qual objetivo o direito de converter pode ser exercido. No que diz respeito a quem, a principal diferenciação é exercida entre residentes e não-residentes. No caso mais comum, a restrição à exportação de capitais por residentes forma uma espécie de mercado cativo para a poupança interna, protegendo a política econômica de um determinado país da concorrência externa. Com referência ao objetivo da conversão, a principal diferenciação é quanto a transações correntes e de capital. A liberalização geral das economias, ocorrida também no caso dos países em desenvolvimento, leva a afirmação de que a conversibilidade, conforme advogada pelo FMI, foi atingida num número muito grande de países. Evidência dessa tendência é o crescente número de países que aceitaram as obrigações do artigo VIII do Convênio Constitutivo do FMI [1]/.

 

48.           No caso do Brasil, a conversibilidade de transações correntes está praticamente atingida, principalmente por que, após a finalização do acordo da dívida, não existem praticamente mais restrições ao pagamento de juros ao exterior. Resta ainda uma discussão sobre alguns atrasados com os credores do Clube de Paris. De maneira geral, residentes e não-residentes podem comprar e vender moedas livremente por conta de recebimentos e pagamentos por bens e serviços. Registre-se, entretanto, que o Brasil até hoje permanece na categoria de arranjos cambiais transitórios regidos pelo artigo XIV do Convênio.

 

49.           A nível da conta de capital, persistem uma série de restrições no regime cambial brasileiro, principalmente no caso de residentes no País. Pessoas físicas ou jurídicas não-residentes podem manter conta em moeda nacional no País, podendo transferir livremente para o exterior recursos que tenham sido internalizados. Instituições financeiras não-residentes estão autorizadas a comprar e vender moeda estrangeira, livremente, no mercado interbancário. Isso não obstante, a identificação das partes na transação torna-se cada vez mais utilizada no mundo inteiro, mesmo em países considerados com direito de conversibilidade irrestrita como nos Estados Unidos, com o objetivo de registrar os aspectos fiscais e legais da remessa.

 

50.           Quanto ao plano de estabilização brasileiro estabelecido em julho de 1994, no momento da introdução da nova moeda - o real -  e do novo regime cambial, a possibilidade de conversibilidade seria uma garantia adicional da credibilidade do programa. A queda da inflação seria favorecida não somente pela valorização ocorrida, no mercado cambial, do real em relação ao dólar, mas também pelo fato de que os agentes econômicos acreditem que o governo vai continuar tomando as medidas adequadas para viabilizar a estabilização. Existem, é claro outras maneiras de se conquistar a credibilidade. Além disso, como vimos, o Brasil praticamente atingiu a conversibilidade nas contas de transações correntes do balanço de pagamentos e a liberalização cambial ocorrida a partir de 1990 proporcionou vários mecanismos de entrada e saída de capitais para não-residentes e residentes.

 

51.         No caso da integração monetária e constituição de um mercado comum, como intensamente discutido na literatura relevante, uma moeda comum é equivalente ao compromisso irrevogável de fixar a taxa de câmbio, juntamente com ausência de restrições de qualquer espécie entre os países que estão se integrando.  Ressalte-se que na União Europeia as taxas de câmbio são estáveis, mas ajustáveis, flutuando conjuntamente em relação às demais moedas. A conversibilidade irrestrita, entretanto, foi atingida somente em 1990, com a abertura total dos mercados financeiros. Assim, o Grupo Mercado Comum do MERCOSUL deverá necessariamente continuar adotando medidas que aumentem a conversibilidade das moedas na região, tanto na área de transações correntes, quanto na de capital, paralelamente buscando o objetivo final da moeda única ou das taxas irrevogavelmente fixas entre si. 

 

52.           Finalmente resta a questão sobre a extensão da jurisdição do Fundo Monetário sobre restrições a conta de capitais. Isso significaria que o país teria que solicitar a aprovação do FMI para impor controles de capitais. Tais medidas, por sua própria natureza, têm que ser adotadas de maneira rápida e de surpresa para serem efetivas. Como bem advoga Kafka (1994), o que poderia estar sujeito à jurisdição do Fundo seria a capacidade de impor controles temporariamente, sem consulta prévia, sendo a aprovação a posteriori.


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  [1]/  9 países se comprometeram a assumir as obrigações do Artigo VIII durante 1993 e 10 até julho de 1994, números maiores do que em qualquer ano desde 1961, quando a maioria dos países de Europa Ocidental aceitou tais obrigações.


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