sábado, 12 de junho de 2021

 


III) AS RESTRIÇÕES À CONVERSIBILIDADE


Capítulo III de texto elaborado em 1994 quando eu trabalhava no FMI

 


36.           A constatação de que a conversibilidade -- ampla, geral e irrestrita -- é fenômeno recente e não muito disseminado, torna relevante discutir os diferentes graus de conversibilidade resultante da aplicação de restrições. Geralmente, essas restrições têm como base quem (residentes ou não-residentes) tem direito a conversibilidade e com qual objetivo a conversibilidade é exercida (transações correntes ou de capital). Guitián (1993) acresce a esses dois o critério de em qual região vale a conversibilidade. 

 

37.           As causas mais comuns de restrições à conversibilidade foram tratadas por McKinnon (1979), segundo o qual, desde a Segunda Guerra Mundial, três grupos de países tiveram moedas inconversíveis:

 

        - economias centralizadas que usam a inconversibilidade para apoiar sua  estrutura de preços domésticos e mecanismos de planejamento;

 

        - países em desenvolvimento, que tinham problemas fiscais e dificuldades de alinhar taxas de câmbio; e

 

        - países europeus, nos anos 50, por falta de reservas cambiais devido à escassez generalizada de capitais que poderiam ser usados para compensações multilaterais.

 

38.           Como inconversibilidade pode ser uma questão mais de grau do que de conceitos absolutos, propõe refinar a definição de uso comum, para distinguir três formas de inconversibilidade:

 

        - Inconversibilidade de bens: moeda doméstica em poder de não-residentes que não é capaz de comprar bens e serviços aos preços domésticos[1]/;

 

        - Inconversibilidade de câmbio para não-residentes: as autoridades monetárias nacionais não estão obrigadas a comprar de não-residentes saldos de sua própria moeda, com a moeda do não-residente ou com moeda conversível, nem se permite aos não-residentes vender no mercado seus saldos em moeda nacional; e,

       

        - Inconversibilidade de câmbio para residentes: quando os residentes não podem utilizar sua própria moeda para comprar divisas para importar bens e serviços.

 

39.           Retomando Guitián (1993), do ponto de vista do possuidor do saldo de moedas, o autor faz uma distinção entre conversibilidade externa e interna. Conversibilidade externa se refere à extensão na qual não-residentes têm direito de converter saldos na moeda nacional em divisas. Essa forma de conversibilidade é importante quando um país quer atrair investimento estrangeiro ou empréstimos externos. Conversibilidade interna, por outro lado, está relacionada à capacidade de residentes de converterem seus saldos em sua própria moeda em divisas. Essa modalidade de conversibilidade expõe a política econômica interna à competição internacional, na medida em que os nacionais de um país são capazes de procurar a melhor aplicação para sua poupança, inclusive no exterior.

 

40.           Sob o ponto de vista do objetivo, o critério básico e tradicional é diferenciar entre conversibilidade em conta corrente e na conta de capital.  O primeiro, é o conceito mais comum, tendo sido consagrado nas diferentes versões do Convênio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional, como visto na seção anterior. Refere-se ao direito a converter moeda em divisas para pagamentos de bens e serviços adquiridos ao exterior. Conversibilidade na conta de capital refere-se ao direito dos possuidores da moeda de convertê-la em divisas, para pagamentos com respeito a transações na conta de capital e transferências. Essa seria a conversibilidade inerente a liberalização dos mercados de capitais e desregulamentação financeira.

 

41.           Um outro critério é a região na qual a moeda é conversível. Ao longo do tempo, países que não podiam criar moedas conversíveis celebraram convênios com compromisso de aceitabilidade limitada entre as moedas dos países signatários, o que podemos denominar de conversibilidade limitada por se referir somente a determinados saldos de moeda e somente em uma determinada região.

 

42.           McLenaghan et alli, (1982) ao estudarem a questão de conversibilidade na Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS - Economic Community of West African States), apresentam uma definição mais específica de conversibilidade limitada. Afirmam que conversibilidade limitada se refere à troca e ao uso irrestrito de moeda de países dentro de uma região, como seria o caso se todos os controles e restrições cambiais dentro da região fossem eliminados. Tal conversibilidade envolveria um "acordo de conversibilidade", em que os países poderiam determinar seus sistemas de câmbio livremente.

 

43.           O conceito de conversibilidade adotado pelo Secretariado da UNCTAD (1987), em relatório de avaliação e opções de política para mecanismos de compensação e pagamentos entre países em desenvolvimento é o mesmo conceito de conversibilidade de McLenaghan. Afirma-se, entretanto, que o sentido de conversibilidade limitada proposto pela UNCTAD à Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental é restrito ao estabelecimento das chamadas "contas de conversibilidade", em bancos da região, e denominadas na moeda do país onde o banco está localizado. Os recursos seriam originários de receita de exportação para aquele país e poderiam, por sua vez, ser utilizados para o pagamento de importações originadas daquele país, assim com outros pagamentos devidos.

 

44.           No caso da América Latina, diversas foram as iniciativas de se dotarem as moedas da região de um certo grau de conversibilidade. Por exemplo, em 1961, foi criada a Câmara de Compensação Centro-Americana. Posteriormente, foi estabelecido o Convênio de Créditos Recíprocos da ALADI, primeiro como um sistema de contas bilaterais e depois com a liquidação multilateral dos saldos por um banco agente. Nos anos oitenta foram criados o Fundo Andino de Reservas e o peso andino. Quanto ao MERCOSUL, enquanto não se atinge a integração monetária completa com ausência de restrições e fixação de paridades, várias medidas foram tomadas visando a aumentar o grau de conversibilidade da moeda brasileira na região do MERCOSUL [2]/.



  [1]/  Essa definição diz respeito à situação dos países de economia planificada antes do início do processo de transição para economia de mercado.

  [2]/  Podemos considerar a liberação da compra de câmbio para viajantes na área do MERCOSUL, como exemplo de medida tendente a aumentar o grau de conversibilidade regional


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