B) O Conceito de Conversibilidade
no Convênio do FMI
Parte de trabalho elaborado em 1994 quando eu trabalhava no FMI
a) sistema de taxas de câmbio fixas
14. O sistema de câmbio fixo implica uma
maior probabilidade de intervenção do governo na defesa da taxa, seja atuando
no mercado, seja estabelecendo restrições cambiais à compra e venda de divisas.
Como concebido originalmente, o FMI era um "pool" de moedas de seus
países membros que poderia ser utilizado para apoiar a obrigatoriedade de
manter a taxa de câmbio fixa com conversibilidade, isto é, sem introdução de
restrições cambiais sobre operações da conta de transações correntes ou
estabelecimento de taxas múltiplas de câmbio.
15. Sendo assim, um país, que estivesse
sofrendo de perda de reservas, poderia "comprar" com sua própria
moeda outras moedas de que necessitasse para fazer face a pagamentos
internacionais, enquanto procedia ao ajustamento interno. Por outro lado, se um
país, por superávit de balanço de pagamentos, acumulasse saldos de uma
determinada moeda, que o mercado não fosse capaz de absorver, o país emissor de
tal moeda seria obrigado a dar conversibilidade, mas somente aos saldos
acumulados pela autoridade monetária. O objetivo maior era eliminar as restrições
a pagamentos e, portanto, promover o comércio e crescimento mundiais que haviam
sido prejudicados desde antes da guerra por desvalorizações competitivas e
inconversibilidade das moedas.
16. Tendo como base o arcabouço descrito
no parágrafo anterior, os países que se reuniram em Bretton Woods, em 1944,
concordaram sobre a necessidade de existência de um código de conduta para
reger o relacionamento entre eles, pois a manutenção do que foi chamado na
literatura de "caos monetário" poderia levar a grande retrocesso no
desenvolvimento da economia mundial. Vale citar o Artigo I, item (iv) do
Convênio Constitutivo do Organismo, aquele mais ligado ao conceito de
conversibilidade dentre os objetivos do Organismo:
"To assist in the establishment of a multilateral system of
payments in respect of current transactions between member and in the elimination
of foreign exchange restrictions which hamper the growth of world
trade"(grifo nosso).
17. Para atender este propósito, os
países fundadores do FMI dotaram o Organismo de funções regulatórias e se
comprometeram a cumprir determinadas obrigações. O Artigo IV do Convênio
original tratava das obrigações relativas à manutenção do regime de taxas de
câmbio estáveis, mas ajustáveis dentro de determinadas condições [1]/. O Artigo VIII estava ligado ao objetivo
de evitar as restrições cambiais, cabendo aos países membros dar
conversibilidade a suas moedas. O Artigo XIV, por sua vez, tratava dos direitos
de manter restrições em casos especiais.
18. Do ponto de vista formal, o Convênio
Constitutivo original do FMI cristalizou uma série de conceitos sobre
conversibilidade. Com a instituição do sistema de taxas de câmbio estáveis, mas
reajustáveis desde que permitido pelo FMI, a idéia de conversibilidade deixou
de ser relacionada à possibilidade de troca de uma determinada moeda por ouro,
passando à troca de uma moeda por outra, a uma taxa de câmbio de paridade, com
o spread permitido de 1 % para mais ou menos.
Entretanto, como na época do padrão ouro, a possibilidade de utilização
das moedas, sem restrições, continuava inerente à idéia de conversibilidade.
19. O conceito básico de
conversibilidade, previsto no Convênio Constitutivo do FMI, foi consubstanciado
no artigo VIII, pelo qual os países se comprometiam:
i) a evitar restrições a
pagamentos por transações correntes (seção 2);
ii) a evitar a aplicação de
práticas monetárias discriminatórias (seção 3);
e
iii) a converter saldos de
suas moedas em poder de autoridades monetárias de outros países (seção 4).
20. Mais especificamente, os países
membros deveriam:
-permitir que sua moeda
fosse utilizada por seus residentes para efetuar pagamentos por transações
correntes e não deveriam impedir que seus residentes obtivessem qualquer
moeda dos demais países membros que fossem necessárias para efetuar pagamentos
pelo mesmo conceito. Esta seria a chamada conversibilidade pelo mercado;
-abster-se de utilizar
práticas monetárias discriminatórias ou taxas múltiplas de câmbio, em relação a
operações em transações correntes,
apesar de a definição prevista no Convênio Constitutivo do Fundo ser um
pouco mais abrangente, incluindo um certo montante de pagamentos por conceito
de amortização;
-converter saldos de suas
moedas, exclusivamente em poder das autoridades monetárias de outros países
membros, na moeda do país solicitante ou em ouro. Esta seria a chamada
obrigação de conversibilidade oficial.
21. Note-se que, durante a vigência do
sistema de taxas fixas de câmbio, não surgiu o caso de que um país tivesse
invocado o direito de solicitar conversões oficiais, por outros países membros,
de saldos de moedas em seu poder. Isso não obstante, este preceito era a
essência do sistema multilateral de pagamentos que se pretendia desenvolver,
pois, representava a garantia de conversibilidade. O FMI reconheceria, ao longo
de seu Convênio original, diversos outros tipos de conversibilidade, de uma
maneira menos formal que a da seção anterior e, geralmente, relacionados a
objetivos específicos.
b) sistema de taxas de câmbio flutuantes
22. A adoção de um regime de taxa de
câmbio flutuante permite o estabelecimento de um preço de equilíbrio e portanto
dispensa a necessidade de acumulação de reservas internacionais e a utilização
de restrições cambiais como meio de racionar divisas. No extremo, sob um
sistema puro de taxas de câmbio flutuantes, as moedas seriam conversíveis por
definição. Como muitas vezes acontece, a teoria na prática é outra, seja por
imperfeições do mercado, seja por intervenção governamental.
23. A Segunda Emenda ao Convênio
Constitutivo do Fundo Monetário Internacional, aprovada em 1978, consagrou o
sistema de taxas de câmbio flutuantes. Quanto às obrigações dos países membros
em relação à conversibilidade foram as seguintes suas principais consequências:
- permanece inalterada a
obrigação de manter a conversibilidade através dos mercados;
- subsiste a obrigação
daqueles países membros sujeitos ao Artigo VIII de efetuarem conversão oficial
de saldos de suas moedas quando solicitado por autoridades monetárias de outros
países membros, mas, na prática, não se pode invocar [2]/.
24. O conceito de conversibilidade sob o
sistema de taxas de câmbio flutuantes fica mais fluído porque tem enfraquecido
o seu aspecto de valor de troca que existia sob os outros sistemas de câmbio. A
rigor, desde que sejam permitidas grandes variações nas taxas de câmbio, fica
menos provável que os países lancem mão de restrições. De fato, os conceitos de
moeda conversível foram praticamente eliminados do Convênio Constitutivo do
FMI. Em contrapartida, foi introduzida uma definição de moeda livremente
utilizável, Artigo XXX (f), que enfatiza os aspectos de uso e
transacionabilidade da moeda:
"A freely usable currency means a member's currency that the Fund
determines (i) is, in fact, widely used to make payments for international
transactions, an (ii) is widely traded in the principal exchange markets."
25. O conceito de moeda de livre uso tem
função importante nas operações de assistência financeira do Fundo. Este
conceito tenta suprimir a injustiça que decorria do fato de que, conforme a
versão inicial do Convênio, não havia obrigação dos países membros de trocarem
suas moedas que fossem compradas ao Fundo (mesmo que não fosse
internacionalmente aceita) por uma outra que servisse aos compradores para
fazer face a seus problemas de pagamentos. A partir da Segunda Emenda ao
Convênio, se o FMI vender uma moeda que não é classificada como de livre uso,
seu emissor deve trocá-la quando requisitado pelo comprador [3]/.
26. Por exemplo, o real não é
considerado moeda de livre uso pelo Fundo. Isso não obstante, se a situação
econômica e financeira do Brasil
permitir, os haveres em reais em poder do Fundo podem ser incluídos no
seu orçamento operacional [4]/. Neste caso, algum país que esteja
recebendo assistência financeira do Fundo poderá receber a moeda brasileira. O
Banco Central do Brasil terá a obrigação de trocar esse montante por moeda de
livre uso. Entretanto, essa obrigação se restringe ao saldo de moeda comprada
ao Fundo, não se constituindo em obrigação geral de conversibilidade.
[1]/ O Artigo IV definia o numerário do sistema
monetário internacional como ouro ou o dólar americano de 1944. Todos os
membros deveriam declarar a paridade de suas moedas e mantê-las dentro do
limite de 1% a mais ou a menos. A paridade poderia ser modificada em caso de
ocorrência de desequilíbrio fundamental de pagamentos, consultado o FMI.
Entretanto, o Fundo não poderia negar aprovação no caso de variação de menos de
10 %, e no caso de variação maior que 10%, o Fundo deveria decidir em setenta e
duas horas. Alterações não autorizadas da paridade poderiam tornar o país
membro inelegível para usar recursos do Fundo.
[2]/ O Relatório da Diretoria Executiva à Junta
de Governadores que encaminhou a Segunda Emenda contém os termos do acordo.
Basicamente, os países se comprometem a não invocar a conversibilidade oficial,
pelo menos enquanto for mantido o sistema de paridades flutuantes. Para mais
detalhe veja Gold (1981).
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