O texto abaixo foi produzido em outubro de 1987 e publicado no jornal Diário Comércio e Indústria - DCI na edição de sábado 24 e 2a feira 26 de outubro de 1987. Resolvi publicá-lo agora, 30 anos depois, em janeiro de 2017, pela atualidade das discussões nas quais o FMI vem defendendo a prioridade do combate a desigualdade, o que é muito difícil de se fazer sem crescimento. Ao final do texto de 1987, se conclui que a discussão demoraria ainda algum tempo.
Trinta anos?
O FMI E O AJUSTAMENTO COM CRESCIMENTO
- Discurso e Realidade -
Maria Celina Arraes e Olavo Cesar da Rocha e Silva[1]
A discussão sobre se o Brasil deve
recorrer ou não ao Fundo Monetário Internacional envolve uma série de problemas
e argumentos que devem ser melhor explicitados e analisados.
Existem três pontos que constituem uma “ladainha” repetida em
uníssono pelo corpo técnico do FMI:
(a) Não obstante preocupar-se com o
problema do crescimento, o FMI não é uma agencia para financiamento do
desenvolvimento;
(b) Os países determinaram à administração
do Fundo que adote salvaguardas – leia-se condicionalidades – para garantir a
recuperação dos recursos;
(c) Os recursos emprestados são em
caráter rotativo, o que implica um período de tempo bastante curto para levar
em consideração os problemas de desenvolvimento.
A partir da última Assembleia do Fundo Monetário e Banco
Mundial, a imprensa em geral tem destacado, com base nas declarações do
Diretor-Gerente do FMI e do Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, por um
lado, a imagem do FMI como órgão promotor do desenvolvimento, por outro, a
possibilidade de se tornar as políticas do citado organismo menos rígidas.
Este aparente conflito desaparece se analisamos
o Convênio Constitutivo do FMI. Na realidade existe inclusive um espaço para
flexibilização da atuação do Organismo, dentro do próprio Convênio. Quando o
Diretor-Gerente do FMI afirma aprovar as teses desenvolvimentistas, nada mais
faz que reafirmar o que consta há quarenta anos como um dos objetivos da
entidade:
(a) “facilitar a expansão e o crescimento
equilibrado do comércio internacional e contribuir dessa maneira para a promoção
e manutenção de altos níveis de emprego e renda real e para o desenvolvimento
dos recursos produtivos de todos os países membros como principais objetivos de
política econômica”;
(b) “ assegurar aos países membros que o
Fundo colocará recursos à sua disposição, temporariamente, sob salvaguardas,
fornecendo assim oportunidade para corrigir os desajustes do balanço de
pagamentos sem ter que recorrer a medidas destrutivas da prosperidade nacional
ou internacional”.
Sob o conceito de “salvaguardas
adequadas” foi desenvolvida a política de condicionalidade do Fundo com a
justificativa de que o Organismo deve garantir que os empréstimos contraídos
sejam devolvidos nos prazos previstos no Convênio, fazendo com que os recursos
sejam utilizados de maneira rotativa e temporária.
O grande problema atual é que o
horizonte dos desequilíbrios de balanço de pagamentos é bem mais longo do que o
que se pensava na época da eclosão da crise do petróleo, quando o FMI fez um primeiro
esforço para se adequar às condições vigentes através de um aumento do período
do programa de ajustamento e dos prazos de amortização. Hoje, entretanto, esta
modalidade de financiamento (a chamada “facilidade ampliada”) não tem sido
utilizada pela própria dificuldade de o FMI programar a prazos mais longos
dentro das restrições estabelecidas.
O tratamento residual do crescimento,
que poderia ser aceitável em programas de curto prazo, já não é mais viável em
períodos mais longos. A variável “taxa de crescimento” passou então a ser chave
para a obtenção de resultados positivos nos programas de ajustamento. No centro
das discussões está a controvérsia sobre o próprio conceito de ajustamento com
crescimento. De maneira geral, os organismos multilaterais advogam certos tipos
de reformas estruturais (leia-se privatização, realinhamento de preços
relativos, redução dos subsídios, liberalização do comércio exterior, etc.)
para que, pelo uso mais eficiente dos recursos existentes, haja crescimento. Os
países em desenvolvimento entendem que é primordial a necessidade de maiores
investimentos.
As propostas apresentadas pelo Sec.
Baker no sentido de o Fundo financiar despesas de países membros decorrentes de
elevação das taxas de juros internacionais e de flexibilizar a avaliação do desempenho
das economias submetidas a programas de ajustamento, poder ser interpretadas
com um aumento na margem de manobra dos países em desenvolvimento. Deve ser
lembrado, entretanto, que o próprio discurso explicita as condições: ampliação
das condicionalidades do Organismo.
A decisão sobre se o Brasil deve ou
não recorrer ao FMI está hoje carregada de componentes emocional e político
que, tecnicamente é difícil analisar. Existem regras claramente estabelecidas
que devemos jugar se nos convém ou não aceitar.
Sob a nossa ótica, a pré-condição
para um programa de ajustamento com crescimento é a existência de adequada
disponibilidade de recursos envolvida no processo, direta ou indiretamente, por
bancos, organismos, governos, etc. Devemos estar, entretanto, conscientes de
que algum avanço em direção de uma flexibilização dos organismos demandará, no
mínimo, algum tempo.
16.10.87
[1] Maria Celina Arraes, 34, economista, é chefe da Divisão
de Organismos no Departamento de Organismos e Acordos Internacionais (DEORI) do
Banco Central do Brasil. Olavo Cesar da Rocha e Silva, 44, economista, é Chefe
Adjunto do Departamento de Organismos e Acordos Internacionais (DEORI) do Banco
Central do Brasil.
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