sábado, 28 de janeiro de 2017

O Fundo Monetário Internacional e o sistema monetário internacional

(Este post faz um apanhado e traduz informações disponíveis na página do Fundo Monetário Internacional sob a rubrica “fact sheets);
O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização que conta hoje com 189 países membro que trabalha para promover a cooperação monetária global, assegurar estabilidade financeira, promover o emprego e o crescimento econômico sustentável e reduzir a pobreza no mundo.
Seus objetivos originais, conforme o Convenio Constitutivo do Organismo, são:
  • Promover a cooperação monetária internacional;
  • Facilitar a expansão e o crescimento equilibrado do comércio internacional;
  • Promover a estabilidade das taxas de câmbio;
  • Apoiar o estabelecimento de um sistema multilateral de pagamentos: e,
  • Disponibilizar recursos (com as salvaguardas adequadas) aos países membros com dificuldades de balanço de pagamentos.

 Porque a ênfase do blog sistmonint nas atividades do FMI?
Porque o objetivo principal do FMI é garantir a estabilidade do sistema monetário internacional – o sistema de taxas de câmbio e pagamentos internacionais que possibilita os países e seus cidadãos transacionar uns com os outros. O mandato do Fundo foi atualizado em 2012 para cobrir todas as questões macroecomicas e do sistema financeiro que possam ter consequências sobre a estabilidade global.
Porque a estabilidade global é importante?
Ao promover a estabilidade econômica se evita crises financeiras e econômicas, grandes variações na atividade econômica, inflação alta e volatilidade excessiva nos mercados financeiro e de câmbio. A instabilidade aumenta a incerteza, desencoraja investimento e impede o crescimento econômico e atinge os padrões de vida, principalmente dos mais pobres. Uma economia dinâmica envolve algum grau de volatilidade, que possa inclusive direcional uma mudança estrutural gradual que possibilite o aumento de produtividade e o crescimento econômico

A estabilidade econômica e financeira deve ser preocupação nacional e multilateral. Como as crises financeiras recentes mostraram, as economias se tornaram mais interconectadas e, portanto, as vulnerabilidades podem se espalhar, mais facilmente, entre setores e além-fronteiras. 

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Cem anos de Alexandre Kafka


Alex para os amigos, Professor Kafka para a maioria, Mr. Kafka para o corpo técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI). Alexandre Kafka nasceu em Praga no dia 25 de janeiro de 1917 e segundo ele mesmo dizia, ainda durante a era do império austro-húngaro. Faria, portanto, cem anos nessa semana. Formado em Direito em Praga e em economia em Oxford teve grande importância na consolidação da formação dos economistas no Brasil, pais que escolheu para sua cidadania. Informações detalhadas constam do Depoimento concedido à Fundação Getúlio Vargas e publicado como parte da coleção Memoria do Banco Central.

Chegou ao Brasil em 1940 e foi convidado para dar aulas de economia na faculdade de Sociologia da USP. Com poucos economistas formados no Brasil, a Politécnica foi mais importante na introdução de uma economia “moderna”. Até então o estudo da economia era mais dedicado a história sem um pensamento econômico muito preciso. Em São Paulo ainda atuou como consultor econômico da FIESP e participou da criação do seu departamento de Economia. Participou de diversas missões de discussão sobre a Organização Internacional do Comércio.

Veio para o Rio de Janeiro, após diversos períodos nos Estados Unidos, inclusive em universidades, após receber um convite de Eugenio Gudin para organizar o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Paralelamente, no papel de Conselheiro econômico da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e no Ministério da Fazenda participou do debate econômico dos anos cinquenta e sessenta inclusive para criação do Banco Central do Brasil.  É dessa época a formulação juntamente com seu amigo e colega de profissão Roberto Campos das “leis de Kafka” que introduziram a hipótese segundo a qual a economia brasileira não obedecia a nenhuma das leis econômicas conhecidas. Em 2012, Gustavo Franco retomou o tema em seu livro As Leis Secretas da Economia e lançou as leis reformuladas e atualizadas, mas mantendo o espírito original. Segundo consta da tradição oral dos economistas mais antigos, uma dessas leis seria que toda tentativa de contração monetária é contrabalançada pela expansão de crédito de banco público.

Seu período como Diretor Executivo pelo Brasil, e de um grupo de países da América Latina e Caribe, foi bem intenso e começou em 1966. Com sua habilidade diplomática e capacidade técnica, sobreviveu a diferentes regimes políticos e orientações econômicas, sempre defendendo os interesses do País e não de governos. Gozava do respeito dos técnicos do FMI, o que foi fundamental nas épocas de difícil relacionamento do Brasil com o Organismo, por exemplo naquele período de inúmeras cartas de intenções, sempre descumpridas, e depois da moratória de pagamento e dificuldades com a dívida externa. Emprestava seu prestígio pessoal na defesa do país que adotou como pátria.

Teve também importante papel na institucionalização do FMI. Foi um dos quatro vice-presidentes do Grupo dos Vinte (deputies) para reforma do sistema monetário internacional, criado para adaptar os estatutos do Fundo ao fim da conversibilidade do dólar. Os quatro vices e o Presidente do Grupo, Sir Jeremy Morse, foram responsáveis pela redação discutida como os Ministros. Participou das discussões da implementação dos Direitos Especiais de Saque (DES) e da criação da Facilidade Compensatória (Compensatory Financing Facility), que servia para suavizar as flutuações dos preços das commodities.   Defendia a criação de um escritório de avaliação no FMI, ao molde do já existente no Banco Mundial, o que somente ocorreu muitos anos depois. Como decano sempre era responsável pelos procedimentos de eleição do Diretor Geral dom FMI e chamado para ajudar a resolver e negociar problemas difíceis.  Depois de sua aposentadoria o Fundo manteve durante um bom tempo um escritório para seu uso.

Na época mais recente, com o impeachment do Presidente Collor, inúmeros Ministros passaram pelo Ministério da Fazenda. Cada um que entrava fazia uma missão ao FMI, resultando, portanto, num período muito trabalhoso para o escritório do Brasil. Até que a situação se estabilizou um tempo com Fernando Henrique Cardoso. No livro Depoimento o professor Kafka conta que, apesar de o FMI considerar uma boa ideia a implementação do Plano Real em estágios – eliminação do déficit, eliminação da indexação e nova moeda – somente apoiaria o Brasil após sucesso do plano de estabilização.  O governo americano alegou que sem acordo com o FMI não poderia vender os bônus de cupom zero que faziam parte das garantias da renegociação da dívida externa. Como se sabe, o Brasil comprou os títulos no mercado e pode assim pavimentar o caminho para o sucesso do Plano Real. Já na crise de 1998 o apoio do FMI foi instrumental e total.


Morreu em novembro de 2007, aos 90 anos, depois da morte de sua esposa Dona Rita, que o deixou muito abalado.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

REDE GLOBAL DE SEGURANÇA FINANCEIRA

A REDE GLOBAL DE SEGURANÇA FINANCEIRA

Como não existe um banco central mundial, há necessidade de um acordo internacional, formal ou informal, sobre quais moedas serão aceitas nos pagamentos entre países, as taxas de câmbio entre essas moedas, a acumulação de reservas internacionais, o financiamento de situações de superávit ou déficit no balanço de pagamentos e sobre a correção das situações de desequilíbrio.

O FMI foi criado para resolver esses temas, principalmente financiar desequilíbrios de pagamentos sob um sistema de taxas de câmbio fixas. Mais recentemente, com a globalização e aumento no volume e volatilidade dos capitais internacionais, vem utilizando o conceito de rede de segurança financeira global. Sua necessidade deriva do fato de que a acumulação de reservas internacionais e a correção de rumo da política econômica doméstica não são suficientes para restabelecer o equilíbrio nas economias.

A rede global de segurança financeira - “Global Financial Safety Net” (GFSN) - é formada, adicionalmente às reservas internacionais dos países, pelos acordos de swap entre bancos centrais, acordos/arranjos regionais de assistência financeira (como Chiang Mai e CRA dos BRICs), recursos do Fundo Monetário Internacional (complementado por parceiros multilaterais e bilaterais de desenvolvimento), assim como instrumentos de mercado. A rede tem três objetivos principais: (i) fornecer seguro contra crises; (ii) apoiar financeiramente os países quando a crise acontece; (iii) incentivar políticas macroeconômicas saudáveis.

Conforme anunciado em minha postagem de 17 de março de 2016, o FMI lançou, nesse mesmo dia, um novo ciclo de debates sobre o sistema monetário internacional. O primeiro documento produzido foi uma avaliação da GFSN[1], para identificar suas fortalezas fraquezas e desafios atuais. De maneira mais ampla determinar se, mesmo com os progressos recentes tanto em termos do aumento de recursos do Organismo quanto em termos da maior cooperação financeira entre países, ainda persiste a necessidade de aperfeiçoamento dessa rede de proteção.

Seminário[2] ocorrido durante as chamadas reuniões de primavera do FMI (nosso outono) agregaram a visão acadêmica e de países (India e Chile) à discussão. Um dos pontos considerados foi o trade off entre acumulação de reservas internacionais pelos países e a utilização das linhas de financiamento precaucionais do FMI (que atenderiam as necessidades de países com políticas econômicas saudáveis que estivessem enfrentando volatilidade de fluxos de capitais). Porque os países preferem a acumulação de reservas que teria um custo maior? Volta à baila a questão do estigma associado a utilização de recursos do Fundo. Como evita-lo? Uma solução discutida foi a pré-qualificação de todos os países membros. Uma possibilidade seria durante as consultas regulares para o acompanhamento das políticas econômicas dos países se explicitar o nível de acesso a esse tipo de recurso.

Um outro ponto considerado foi a velocidade com que o FMI atende as necessidades dos países. Demora porque precisa determinar e negociar o mix entre alteração de políticas econômicas e financiamento do ajuste, de maneira a garantir o retorno dos recursos emprestados, segundo o representante do Fundo. A solução para esse ponto não foi muito criativa – fazer um pool de recursos de bancos centrais – com operações de swap, que atenderia as questões de liquidez mais urgentes e teria a garantia de refinanciamento do FMI se o problema de liquidez impedisse a recuperação dos recursos.

Lembro aqui que essa solução não difere dos chamados empréstimos ponte -bridge loans – utilizados, por exemplo, em 1998 pelo Brasil. O principal empréstimo foi realizado pelo Banco de Liquidações Internacionais, onde a maioria dos bancos centrais do mundo é sócia. Ademais, o que é o FMI senão um pool de reservas internacionais dos países?
As discussões sobre a rede global de segurança financeira são muito complexas e serão detalhadas e avaliadas nas próximas postagens.



[1]  The Adequacy of the global financial safety net – 10 de março de 2016.

quinta-feira, 31 de março de 2016

O  momento atual da economia mundial, recomenda que o sistema monetário internacional seja fortalecido para torna-lo mais seguro. O dinamismo dos países emergentes após a crise financeira de 2008-2009 arrefeceu. Alterações estruturais na economia mundial, incluindo preços mais baixos das commodities, condições financeiras mais apertadas e ou voláteis, além do momento de transição da China, colocam riscos adicionais ao crescimento sustentado global um dos objetivos do sistema monetário internacional.

A rede de proteção financeira global, da qual o FMI faz parte, tem sido fortalecida. Ela é composta pelas reservas internacionais dos países, acordos bilaterais de swaps entre bancos centrais, acordos de financiamento regionais, recursos do FMI (complementados por outros parceiros, multilaterais ou bilaterais de desenvolvimento,) e instrumentos de mercado. Mencione-se, como exemplo,  o aumento dos recursos próprios do FMI, a partir das quotas dos países membros, como ocorrido recentemente, a criação do Acordo Contingente de Reservas dos países BRICs, assim como os acordos de swap do banco central da China.

Meu artigo recente publicado na Revista da Procuradoria do Banco Central (link  abaixo - ver páginas 17 a 44) faz o registro histórico das experiências de cooperação financeira internacional do Banco Central do Brasil e resgata as lições aprendidas, como contribuição para o entendimento das iniciativas recentes, entre elas o acordo firmado no âmbito dos países BRICS - Acordo Contingente de Reservas, e as negociações do acordo de swap de moedas entre Brasil e China. A cooperação financeira internacional é interpretada como parte dos acordos vigentes no âmbito do sistema monetário internacional São descritas as experiências relevantes, inclusive as que não se concretizaram, mas cujas negociações acrescentaram experiencias importantes. 

O Arranjo Contingente de Reservas dos países BRICS tem dimensão inicial de US$ 100 bilhões. Pode ter um efeito positivo em termos de prevenção de crises, principalmente de liquidez de curto prazo, fortalecendo assim a rede de segurança financeira global, complementarmente. Sua operacionalização se dará por meio de troca da moeda do país solicitante por dólares americanos. A transferência financeira efetiva somente ocorrerá quando houver solicitação de utilização do mecanismo.

O swap de moedas é um acordo para trocar uma moeda, por outra, e reverter a transação numa data futura. Esses swaps são utilizados amplamente pelo setor privado e, também, por bancos centrais, com o objetivo de facilitar o funcionamento dos mercados de câmbio internacionais, geralmente, quando existe risco de escassez de uma determinada moeda. Como o dólar é a moeda mais utilizada em pagamentos internacionais, o banco central americano (Federal Reserve) celebrou vários acordos de swap durante a crise financeira internacional. O banco central chines vem também realizando acordos de swap como fomento a internacionalização do Yuan. 

Revista PGBC Banco Central do Brasil

quinta-feira, 17 de março de 2016


No dia 17 de março de 2016 o Fundo Monetário Internacional anunciou o lançamento de debates sobre o futuro do sistema monetário internacional. Esse tema geralmente desperta o interesse de funcionários de bancos centrais e de ministérios da fazenda, além da acadêmicos estudiosos de economia e finanças internacionais.  Nosso objetivo neste blog é aumentar o interesse sobre o tema, simplificando os textos dos iniciados e mostrando como o funcionamento dessa entidade – sistema monetário internacional pode afetar o dia a dia das pessoas.

“Assuntos dominados apenas por especialistas, atraem algumas pessoas brilhantes e ideias excêntricas. Alguns assuntos não têm qualquer uso prático. Outros são de grande valor.
O mesmo acontece com o sistema monetário internacional. Poucos economistas acadêmicos chegam a duvidar de sua importância, e a maioria das pessoas passa rapidamente para outros campos. Aqueles que se dedicam à especialização – talvez aproximadamente 300, num determinado período – apresentam inúmeras ideias, críticas e planos que são lidos por outro grupo quase do mesmo tamanho. Entre eles estão alguns homens (sic!) da área comercial mas a maioria é de representantes de bancos centrais ou de ministérios da área financeira.... Estes representantes têm suas ideias próprias que apresentam periodicamente em relatórios sob os títulos mais variados cujo conteúdo é lido por todos os 300 acadêmicos e ignorado pelo resto dos mortais.
Esse grupo de 600 – que poderia adequadamente ser chamado de G-600 – é a fonte de todo debate sobre a situação dos sistema monetário internacional.”
Transcrição da revista “The Economist” em Senhor, 16/10/1985

Conforme definição recente do Fundo Monetário Internacional[1], o sistema monetário internacional é a estrutura facilitadora das trocas de bens, serviços e capital entre países e sustenta o crescimento da economia internacional. Os objetivos do sistema monetário internacional são semelhantes aos de um sistema monetário doméstico, isto é, facilitar o processo de especialização e troca e, consequentemente, a plena utilização dos recursos econômicos de um pais. Para alcançar esse resultado deve equilibrar as necessidades dos países individuais e o do sistema como um todo – e fazer isso ao longo do tempo na medida em que as relações financeiras e econômicas se modificam.

Uma outra maneira de descrever o sistema monetário internacional é[2]: conjunto de acordos, regras, práticas e instituições sob os quais são realizados os pagamentos além das fronteiras domésticas. Tal conjunto de regras e regulamentos está consubstanciado não só no Convênio Constitutivo do Fundo Monetário Internacional - organismo responsável pela administração do sistema - mas também nos acordos e consultas entre os países, por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC), da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Conferência para Comércio, Agricultura e o Desenvolvimento das Nações Unidas (UNCTAD), do Banco para Liquidações Internacionais (BIS) e das organizações regionais.

Como pode se concluir muitos são os temas direta ou indiretamente relacionados a essa entidade chamada sistema monetário internacional. De acordo com sua temporalidade e interesse serão discutidos nesse blog. 



[1] FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL. International Monetary System. IMF launches debate on the Future of the  International Monetary System. IMF Survey Magazine, Policy, March 17, 2016http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2016/POL031716A.htm
[2] Solomon, Robert. The International Monetary System: 1945-1976: An Insider View. Nova Iorque, Harper & Row, 1977.